Agridoce

Anya andava pela praia e a lua prateada refletia na água, o efeito era maravilhoso. A jovem de vinte anos recém completados fazia esse ritual desde que se conhecia por gente. Seu pai, viúvo e professor universitário, sempre lhe dissera que ela tinha um problema sério de saúde, uma espécie de alergia ao sol, o que a impedia de se expor durante o dia... Ela imaginara várias teorias para o problema e sempre se lembrava de alguns filmes que assistira, cujos personagens passavam por um problema semelhante...

A jovem sorriu com seus pensamentos, definitivamente, assistira filmes demais. A brisa que vinha do mar tocava sua pele branca, como se uma mão suave a acariciasse. O que aconteceria se resolvesse sair de casa na manhã seguinte? Com certeza seu pai não deixaria, ele sempre trabalhou à noite para que durante o dia pudesse ficar com ela, dar-lhe atenção e ajudá-la a não se sentir sozinha...

Na pequena cidade litorânea onde morava, não havia muito o que se fazer no meio da semana à noite, às vezes uma festa aqui ou ali, mas Anya nunca fora muito apreciadora de festas, era mais uma “cocooner”... Naquela semana ela estava de folga das aulas da faculdade onde cursava o último semestre de gastronomia, algum tipo de congresso acontecia, então estava com a noite livre... Anya era uma apreciadora da culinária, adorava sabores exóticos e picantes e fazia da cozinha de sua casa um verdadeiro laboratório. Seu olfato era apurado e sentia qualquer perfume que se destacasse... principalmente se tivesse alguma coisa a ver com comida...

Um aroma diferente chamou sua atenção naquela noite. Era um cheiro agridoce, uma mistura deliciosa de perfumes doces e azedos, um toque de açúcar e sal. Olhou ao redor tentando descobrir de onde vinha. Algumas pessoas caminhavam pela areia naquele início de noite de lua cheia, mas nenhuma delas transmitia aquele perfume. Procurava alguma barraquinha na praia, mas não havia nada por ali àquela hora. Voltou para casa e aquele perfume a acompanhava... Pegou uma panela de cobre que mantinha dependurada em uma coifa de inox sobre o fogão, precisava decifrar aquele aroma...

“Agridoce...”, ela pensava nos ingredientes apelando para sua memória olfativa. Quando o pai de Anya chegou, já passava das onze horas e a filha estava diante do fogão, as bochechas rosadas, os cabelos presos em um coque alto e alguns fios pendiam sobre sua testa. Curioso, o pai perguntou se era alguma “experiência” para a faculdade, ao que ela respondeu que era uma “experiência pessoal”. Anya foi para a cama de madrugada atormentada pelo aroma que não decifrara...

No início da noite seguinte, a jovem correu para a praia na esperança de que o vento trouxesse aquele aroma até ela... A lembrança daquele perfume a fazia sentir água na boca...

Desanimada, ela ficou por mais de duas horas sentada ali olhando para as ondas brancas quebrarem na areia e já não acreditava sentir aquele aroma novamente. Levantou-se batendo a mão na calça jeans que usava para tirar a areia, quando aquele aroma chegou trazido pelo vento. Ela correu os olhos pela praia, procurando e chegava a se assemelhar a um cão perdigueiro na busca da caça, usando seu apurado e sensível olfato.

O perfume ficou mais forte e ela sentia a ansiedade da aproximação, mas ainda não descobrira sua fonte. Olhou na direção do mar... Um jovem, com um corpo maravilhoso, saía da água depois de nadar... ele balançou a cabeça a fim de secar seu cabelo e Anya não acreditava... o aroma vinha dele.

Ela sempre fora uma garota tímida, recatada... mas seu corpo a impulsionou na direção daquele belo homem que chegava à areia... O perfume dele, uma mistura de doce e salgado fazia o corpo inteiro dela vibrar como nunca antes. Anya se surpreendeu consigo mesma quando se colocou sedutoramente diante do rapaz, que, surpreendido, a olhou com desconfiança, mas os olhos castanhos bem claros dela, o fizeram parar e sorrir...

Anya, sem dizer uma palavra sequer, passou a mão pelo belo corpo dele e encostou o nariz em sua pele... Era o aroma que a atormentava... Como em filmes que assistira, Anya o abraçou com fogo e ele a puxou de volta para a água... o cheiro se acentuou e o sal estava na medida certa... A sensação olfativa era maravilhosa, mas ela tinha que experimentar...

Com o corpo colado ao do rapaz, ela o beijou no peito e no pescoço, sentindo o sal em sua língua, então... o mordeu até sentir que a pele dele rasgava sob seus dentes... estava ali o sabor que tanto procurara na noite anterior, o doce sangue do jovem que a fez pensar em frutas flambadas... temperado com o sal da água do mar, a perfeição... o sabor agridoce...