Eu minha mulher e Hilton

Eu Minha mulher e Hilton

Tem coisas que acontecem na nossa vida que pela maneira às vezes inevitável e espontânea como elas surgem, o melhor mesmo é nos adaptar-mos as novas situações. De preferência sem mágoas ou grandes culpas. Foi assim comigo.

Fui apresentado a Hilton por um amigo em comum aqui no Cavern Club. Ele, o Hilton, magro (fino), tinha lá seu charme particular. Sempre com uma fragrância leve e suave. Todo de branco, nunca o vi diferente. Passou a freqüentar (estar sempre) em nossa casa. A princípio esporadicamente, depois, com maior freqüência, lá estava ele na minha sala, no meu escritório e quando eu vi já estava na mesa da cozinha ao meu lado e da minha esposa. Eu já falava dele para alguns amigos mais íntimos e quase sempre ele me acompanhava no meu costumeiro wisky. Passou a ir comigo as festas e a bares locais. Chegou mesmo a nos acompanhar (eu e minha esposa) a festas familiares como aniversários e reuniões em casa de parentes. Quem nos conhecia estranhava sua companhia, mas, eu tinha sempre uma resposta, uma desculpa para a presença do Hilton em minha vida.

Depois de algumas semanas de convivência bem achegada onde o Hilton me acompanhava no wisky, estava sempre ao meu lado no trabalho no meu escritório, estava presente nos meus momentos de relax e lazer como ler e ouvir música; comecei a perceber um comportamento um tanto diferente na minha parceira. Ela que já havia em muitas ocasiões censurado o exagero dessa parceria minha com o Hilton. Ela começou a se interessar mais por ele. Já perguntava sobre seu jeito, suas influências etc.

Passado alguns dias notei minha companheira meio estranha, distante, diferente mesmo. Saia com mais freqüência a pequenos passeios nada demorados e voltava sempre com um ar de felicidade estampado no rosto. Vez por outra saia à noitinha e fazia questão que eu não a acompanhasse, alegando que era só uma volta no quarteirão e que não demoraria a voltar. Fiquei mais atento, e, para minha surpresa (mas no íntimo eu já previa isso), percebi que ela não só voltava mais alegre e espontânea, estava também impregnada do perfume do Hilton. Seu cabelo, sua roupa, as mãos e até seu hálito era o bom e velho Hilton que mais do que nunca estava cada vez mais presente em nossas vidas.

Não mencione minhas desconfianças. Esperava que fosse coisa passageira, uma empolgação feminina. Torci para que fosse apenas uma daquelas fazes de curiosidade pelas quais todos nós passamos um dia. Mas qual nada. De certa feita cheguei em casa um pouco mais tarde e me deparei com a cena que apesar de ser eu o maior culpado, não queria que acontecesse. Ao abrir a porta e acender a luz da sala vi na mesinha de centro meu litro de wisky Jonny Walker (meu preferido) pela metade. No cinzeiro, várias bitucas. Havia queijo em fatias, azeitonas e o talo de um incenso já queimado. Fui devagar ao aparelho de som e lá estava meu CD preferido de Bossa Nova (Tom & Elis). Minha cabeça já girava a mil por segundo. Caminhei hesitante e devagar até o banheiro. O cheiro do Hilton se misturava ao perfume de minha mulher. Estava impregnado da sala até o banheiro passando pelo corredor. Ao entrar no banheiro percebi que a toalha ainda estava úmida e o sabonete recém usado. Não esperei mais. Dirigi-me em passadas firmes e fortes ao nosso quarto de dormir. Abri a porta de vez e a luz que vinha do corredor iluminou a penumbra aconchegante de nosso aposento mais íntimo. Lá estava ela. Lânguida, semi-nua. Linda. Mas, lá estava ele também. O branquelo fino e agora (na minha visão) mal cheiroso Hilton. Ela adormecera com a mão sobre ele.

Devagar lhe tirei a mão vi que ela havia fumado muitos dos meus cigarros favoritos (Hilton). Apesar de decepcionado por ela estar fumando, havia também a cumplicidade do ato. O prazer a dois agora seria um prazer a três, sem culpas, sem cobranças, estamos hoje eu minha mulher e Hilton muito bem obrigado.

“Depois de certa idade e algumas decepções, certos prazeres ainda que nocivos, superam a nossa necessidade de sobrevivência”

J. Farias