O mensageiro do vento
Sentado a algum tempo na calçada defronte, apenas a observar a casa, como se fosse algo vivo que pudesse em um piscar de olhos sair correndo ou ainda pior, que pudesse lhe morder. Sabia que tinha de entrar, mas algo dentro dele o segurava ali sentado, um certo tremor que drenava dos músculos a vontade de se mover.
Ensaiou mentalmente diversas formas de entrar e fazer o que tinha de fazer. Gastaria cinco, dez minutos no máximo e já estaria ali fora novamente, livre de uma vez por todas de toda a pressão que seus novos amigos faziam, chamando-o de covarde e fraco.
Medroso era algo que ele não era, e já tinha demonstrado isso na sua antiga cidade, lá ele tinha enfrentado um cachorro, e aquele era realmente um cachorro mal. Corria atrás de qualquer um que lhe demonstrasse medo, até havia mordido a canela de velha senhora Alice. Mas ele não, quando o cachorro foi atrás de sua irmã menor não hesitou em lhe cortar o caminho, sem pedra nem pau em mãos, mas com decisão nos olhos e na voz. O cachorro rosnou e encarou, e nos olhos do garoto viu determinação. O garoto não ia deixar que incomodasse a garotinha, então virou lento e voltou para sua casa. Dali em diante tornara-se um herói para sua irmãzinha e mesmo que mais ninguém tenha visto o que fez , ele estava satisfeito consigo mesmo.Mas agora a situação era diferente.
A casa estava vazia, a família tinha se mudado após o acidente que quase matara os trigêmeos. O quarto dos garotos se incendiara sem motivo algum, coisa que até hoje as pessoas se perguntavam. A porta do quarto em questão não tinha tranca e não havia nada lá que pudesse ter iniciado o fogo.A porta apenas bateu e não quis mais ser aberta e o fogo lá dentro começou. Há mais coisa sobre aquela casa, acidentes ocasionais, barulhos estranhos, coisas que sumiam e apareciam do nada, portas que apareciam abertas e vultos, esse era o pior,os vultos.
Na calçada onde estava sentado podia ver a janela dos fundos um pouco aberta. Provavelmente era por ali que o vento entrava e vazia o mensageiro do veto soar. Esse era seu objetivo, entrar na casa e pegar o mensageiro e entregar para o grupo. Mas mesmo quando a janela estava fechada podia-se ouvir o som do mensageiro lá dentro. Era algo que faria arrepiar os pelos de qualquer um.
O sol estava baixo já, o momento era agora. Ou voltasse para a casa e fosse dormir. Levantou-se e olhou para os lados, a rua apenas sua. Os músculos se formaram, andou até o portão e o transpassou facilmente com apenas um impulso. De dentro da casa veio o som de risadas, era baixo, mas ele pôde ouvir e todo o receio que tinha passou, aquelas eram risadas de seus amigos, com certeza queriam lhe pregar uma peça. Sua boca esboçou um leve sorriso e então respirou aliviado.
Chegou à janela e espiou lá dentro. A escuridão já tingia as paredes e era difícil discernir qualquer coisa que houvesse ali. Abriu a janela o máximo possível e a claridade amena do fim do dia aumentou um pouco sua visão do quarto. Podia ver a porta entreaberta no canto esquerdo, dentro do cômodo o único objeto que podia ser visto era o mensageiro do vento, preso num, gancho no teto.
O mensageiro era feito de uma pedra amarelada em formato de estrelas de vários tamanhos, no centro uma meia lua risonha oscilava vagarosamente. No teto, espalhadas próximas ao gancho, adesivos de estrelas fosforescente brilhavam imitando a visão do céu noturno. Aquilo era agradável junto do silêncio que ali fazia qualquer um teria uma boa noite.
As risadas haviam cessado, mas duas ou três vezes ele ouviu o som de passos. Chamou , mas ninguém respondeu. Olhou para os lados mais uma vez, como alguém que procura um amigo perdido na multidão, e mais uma vez não havia nada ali.
Agarrou a borda da janela e forçou um pé na parede começando a se elevar. Quando estava para colocar a perna na abertura da janela sentiu uma fisgada no braço e quis se soltar, mas ao mesmo tempo pensou que se desistisse aquela hora talvez não conseguisse força para tentar novamente. Deu um impulso final e conseguiu sentar-se na janela.
Já dentro do cômodo ele pensou em algo que até então não havia dado atenção. Como alcançaria o mensageiro já que seu 1,52 de altura não eram suficientes?
Teria de demorar um pouco mais lá dentro, e pior ainda, teria de se aventurar pela casa à procura de algo que o fizesse alcançar o objeto. Foi neste momento que ouviu novamente risadas baixas, abafadas pelas mãos, vindas de algum lugar li dentro. Acalmou-se com aquilo e foi até a porta entreaberta que parecia lhe convidar, estava escuro além da porta, mas ele não tinha medo. Atravessou-a decidido, chegando até o corredor.
Com um baque surdo a porta fechou-se atrás dele, o mensageiro do vento entoou sua música fria. O garoto voltou-se e tentou abrir a porta que estava trancada. O desespero tomou conta de si, mas ele morreu de medo assim que o toque frio de uma mão tocou seu ombro. Essa foi a primeira e última vez que ele realmente sentiu o que era o medo.
Nunca mais foi visto, tornando-se um mistério.