Memento Mori - Violência Familiar

Aquele barulho o fazia tremer. Apertava os olhos com tamanha força que parecia que o globo ocular iria saltar das órbitas. E rezava, mesmo sem saber o que aquilo significava de verdade. Às vezes tinha que descobrir a cabeça para poder engolfar um pouco de oxigênio. O coração já não mais sabia direito qual o compasso seguir.

- Chega, Jack, por favor, não...

As suplicas tornavam-se cada vez mais intensas e aumentavam gradativamente, até transformassem em gritos desesperados. Alex não sabia porque ninguém vinha ajudá-la.

Com o tempo já conseguia identificar cada objeto pelo som que fazia ao chocar-se com a parede ou contra o chão.

“Mamãe, agüente firme, logo papai dorme... um dia isso acaba...”.

Mas não acabava. Alex nascera num ambiente hostil e sem nenhum controle emocional. Tinha agora dez anos e nem sequer lembra a última vez que abraçou o pai.

Jack nascera em plena Segunda Guerra Mundial. Seu pai, um soldado da milícia armada francesa e sua mãe uma sem-teto inglesa. Casaram-se sem condições e mesmo assim Alex fora concebido com carinho.

O poder do álcool ainda é um dos maiores destruidores de lares. Assim que Jack entrou no mundo das bebidas, a vida dos três acabou. Chegava todos os dias alcoolizado e descontava o dissabor de uma vida miserável na mulher, indefesa, que por tantas ocasiões esteve internada e à beira de morte num hospital público do estado.

As coisas iam piorando a cada dia e para Alex nada mais importava. A escola, os amigos, conceitos tão distantes nem fazem para a cabeça da atormentada criança.

Não só presenciava o espancamento diário da mãe, mas a traumática cena de ver seu pai apontando uma arma para a cabeça dela. Só que aquela noite o sentimento havia tomado um rumo diferente. Os gritos de sua mãe não mais o faziam tremer. Ouvia como se esperasse o tormento terminar para voltar a dormir. Lentamente o som dos gemidos começa a diminuir. Alex espera que silencie por completo.

Levanta-se e vai ao quarto, tentando desviar dos pedaços de vidro e porcelana do chão. Abre a porta do quarto. Sua mãe dorme, encolhida no canto da parede. Seu pai, estirado na cama, exprimindo toscos sons enquanto respirava. A arma que antes descansava em sua mão é lenta e cuidadosamente retirada. Quando consegue, Alex mal suporta seu peso. Com dificuldade faz a mira e duramente vai pressionando o gatilho. O tambor da arma gira e a agulha acerta a espoleta. O disparo ocorre, inundando a madrugada de sons, fumaça e sangue.

O barulho faz com que sua mãe pule imediatamente de seu canto. Seus olhos não conseguem acreditar no que vêem. Sua voz tenta, mas não consegue sair. O brilho do sangue é refletido pelos seus olhos. Dá três passos em direção ao corpo inerte no chão e cai de joelhos perto dele. Balança levemente a cabeça de um lado para o outro, movimento intuitivo, pois seu organismo tenta se proteger de tamanha tragédia.

As lágrimas começam a rolar pelo rosto tão sofrido, lágrimas estas que a seguiram para todo sempre. Sente em seus ombros pesadas mãos descansarem e uma voz trêmula qual nem lembrava a última vez que exprimia este sentimento. Começava uma frase, um murmúrio sem fim:

- Oh! Mary! É o nosso filhinho... o que foi que eu fiz?! Pequeno Alex...

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Trecho extraído do livro "Memento Mori"

Sinopse do Livro

Tema Polêmico: Suicídio

Uma seqüência de suicídios coletivos levam uma investigadora a se infiltrar num mundo obscuro, onde a realidade da natureza humana é exposta.

Baseado em relatos reais, os sofrimentos são fotografados pelas famílias, e documentados através das cartas deixadas pelos personagens anônimos no desenrolar dos fatos.

Seis anos de estudo e mais de 300 casos pesquisados nos levam a uma realidade que às vezes fazemos de conta que não existe. E esta realidade está mais perto do que parece, nos espreitando em cada brecha de nossos pensamentos, medos, desejos e frustações frente à vida.

Em cada uma de suas páginas, a única certeza: lembra-te que morrerás!

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