Louco Amor*
Do lindo rosto de Sofia, deslizam lágrimas pelo pai, encontrado morto pelo avô na festa de seus treze anos.
O cortejo seguindo o féretro de Marcos prosseguia lentamente em direção ao mausoléu da família Medeiros, uma das mais tradicionais de Belém, no cemitério de Santa Izabel. Embora o sol brilhasse naquela manhã, ainda se sentia o cheiro de terra molhada, devido à chuva que caíra durante a madrugada.
Muitas pessoas foram dar o último adeus ao jornalista que fizera, devido às matérias que publicava, muitos amigos e inimigos. Nas mentes dos presentes, uma pergunta estava sem resposta: por que Marcos cometera suicídio?
Sofia, Laura e Maria estavam inconsoláveis, pois eram apegadas demais ao pai. Marcela sabia que todos esperavam que também ela, sendo a esposa enlutada, se derramasse em prantos. Ela parecia pálida, e, se possuía alguma lágrima dentro dela, provavelmente estava congelada.
Finalmente o cortejo parou sob a sombra de uma frondosa mangueira junto ao mausoléu.
A cerimônia fúnebre foi rápida. Todos se afastaram, menos Marcela, que aproveitou para deixar uma rosa vermelha sobre o túmulo, onde foi colocada a epígrafe:
– Adeus, meu grande amor! Até um dia.
Já estava de partida quando sentiu a mão de uma mulher sobre seu ombro.
– Sinto muito só ter podido chegar agora. Soube da notícia hoje de madrugada quando cheguei de uma rápida viagem ao Rio. Tão logo pude, vim para cá.
– Você sabe, Marcela, o quanto Marcos foi importante para minha carreira. E como éramos amigos. Achei estranho ter se suicidado. Em seus últimos e-mails parecia tão entusiasmado com o sucesso de seu mais novo projeto. Era um excelente jornalista, apaixonado por tudo o que fazia. Detalhista, buscava sempre a perfeição. Nesse momento, Sofia aproxima-se das duas e observa, calada, o diálogo.
– Mas afinal de contas o que levaria um homem como Marcos a cometer o suicídio? – perguntou Cláudia. Respeito a sua dor, mas custa-me entender o que Marcos fez a si mesmo. É muito estranha essa atitude dele, não acha? – completou Cláudia, olhando fixamente para Marcela.
– O Marcos se foi, isto é um fato, as circunstâncias em que isso aconteceu não é importante para mim. Gostaria que realmente respeitasse a minha dor e não tocasse mais neste assunto.
Essas palavras finais Marcela as deu de maneira ríspida.
– Agora me dê licença que eu já fiz o que tinha de ser feito: enterrar o meu grande amor!
Sofia, percebendo o mal-estar entre as duas, tentou amenizar agradecendo a Cláudia pela presença e desejando-lhe um bom-dia.
Cláudia ficou pensando no que poderia levar um homem como Marcos a cometer suicídio. Ela o conhecia muito bem; era uma espécie de amiga-confidente. Sabia que ele tinha verdadeira paixão pelo jornalismo, pelas filhas e pela esposa.
Cláudia também era jornalista e trabalhava com Marcos. Foi para São Paulo fazer o mestrado e emendou logo o doutorado. Estavam constantemente se falando, seja por e-mail seja por telefone. Marcos a deixava informada dos principais acontecimentos da terrinha enquanto Cláudia mandava-lhe as últimas novidades do Sudeste do país. Como já defendera sua tese, estava decidida a voltar para Belém, a morte de Marcos só a fez acelerar o retorno.
A primeira semana foi de readaptação e de arrumar a mudança. Foram mais de cinco anos fora de Belém. Depois precisava retornar às atividades de jornalista. Porém uma atividade em especial lhe despertava maior atenção: descobrir o que se passou naquele dia 7 de abril. Para isso precisava freqüentar a casa de Marcela.
Só não conseguia entender o ciúme doentio de Marcela, já que o marido só tinha olhos para ela.
Prometeu a si mesma que não sossegaria enquanto não tivesse uma resposta convincente para o que vira sair nas principais manchetes dos jornais do Estado.
Cláudia seguiu para sua casa, na Av. Almirante Barroso, onde seus familiares a esperavam para que recomeçasse sua vida. Retomaria o trabalho na semana seguinte, pois ainda precisava resolver algumas pendências.
Já em casa, deitada confortavelmente em sua cama, começou a pensar em algumas estratégias para ficar sabendo melhor o que acontecera antes de Marcos ser encontrado morto.
– Preciso me aproximar mais de Marcela e de seus familiares – pensou ela.
Havia se passado um mês, Marcela viajou com as filhas para o Rio de Janeiro, buscando isolar-se um pouco de toda aquela situação. Hospedou-se na casa de uma amiga. As filhas encontravam-se em férias escolares.
Marcela não trabalhava nem tinha necessidade de fazê-lo, pois, sendo filha única de rico madeireiro do Estado e viúva de um dos melhores jornalistas da região, sua situação financeira era bastante confortável.
Ainda no Rio de Janeiro, as quatro combinaram não retornar para o belo apartamento em que moravam, iriam passar uns tempos na casa de seu Olavo e dona Odete, pais de Marcela. Não se achavam preparadas para voltar ao lugar do fatídico acontecimento.
Olavo e Odete tinham de 55 anos de idade e moravam numa espaçosa casa na Avenida Braz de Aguiar. A atividade empresarial de Olavo o obrigava a fazer constantes viagens, principalmente pelo sul do Pará, o que causava certo incômodo à dona Odete. Apesar de exercer uma atividade permeada por irregularidades, seu Olavo era um dos que trabalhava ao lado da legalidade, respeitando todos os limites e restrições do IBAMA. Era um homem correto, conservador, amável com a esposa, com Marcela e principalmente com as três netas. Odete sempre foi muito apaixonada pelo esposo e pela família. Passava boa parte do tempo fazendo trabalhos manuais, que doava para obras assistenciais.
Marcela, Sofia, Laura e Maria passaram 30 dias no Rio de Janeiro. Chegaram visivelmente revigoradas.
Nossa! Estava mesmo precisando viajar, conhecer outros lugares, outras pessoas – exclamou Marcela, respirando fundo e sentando-se na poltrona.
Depois de algum tempo, dona Odete, percebendo certa tristeza em Marcela, pergunta se há algo errado.
– Não, mamãe, estava apenas pensando em Marcos, que sempre sentia medo de andar de avião. Depois disso, levantou-se e foi tomar um drinque.
Toca o telefone e Sofia corre para atendê-lo.
– Eu vou me deitar um...
– Mamãe, é a Cláudia, aquela amiga do papai – disse Sofia, tapando o fone com as mãos.
– Diga-lhe que estou deitada e pedi para não ser incomodada.
– Mas eu já disse que a senhora...
– Repita o que lhe disse.
Sofia desculpou-se e despachou Cláudia.
– Quem é Cláudia? – perguntou dona Odete a Marcela.
– É a colega de trabalho de Marcos que estava fazendo doutorado em São Paulo – respondeu Marcela.
– E por que você não atendeu à ligação?
– Por que não estou disposta a remexer em assuntos que me doem.
– Entendo, filha, claro que entendo.
Sofia pensou em contar à avó a conversa que as duas tiveram no cemitério, mas preferiu calar-se.
Passados alguns dias, Cláudia continua insistindo em falar com Marcela.
– Filha, tenho observado que você tem evitado falar com Cláudia, você sempre gostou de atender a todos os telefonemas. Essa moça já ligou, só hoje, umas cinco vezes.
– E a senhora atendeu alguma vez?
– Não. Mas o que tanto ela quer com você?
– Apenas conversar sobre o Marcos – respondeu Marcela, tentando convencer a mãe.
Aliás, já é hora de conhecermos melhor Marcela e Marcos. Ela nasceu em Belém do Pará e estudou nos melhores colégios da cidade. Sempre teve tudo do melhor. Conheceu Marcos quando se preparava para prestar o vestibular. Tão logo viu aquele jovem determinado e muito bonito, apaixonou-se perdidamente, a recíproca foi verdadeira.
Os dois prestaram vestibular. Ela, para Arquitetura; ele, para Comunicação Social. Ambos se formaram, ela, porém, não seguiu a profissão.
Aos 20 anos veio a primeira filha, Sofia. Esta puxara ao pai. Meiga, educada, sempre muito determinada em conseguir seus objetivos. Pela manhã, fazia o antigo colegial; à tarde, piano, mas o que mais gostava de fazer era escrever fatos que retratassem o cotidiano.
Quando Sofia completou dois anos, Marcela deu à luz Laura, a mais parecida fisicamente com ela.
Marcos desejava que a esposa lhe desse um filho que tivesse o seu nome. Mas veio-lhe a terceira filha, que, por insistência de dona Odete, recebeu o nome Maria.
Marcos adorava as três filhas. Quando não estava no jornal trabalhando, tinha imenso prazer de estar com elas e com a esposa.
Depois do nascimento de Maria, Marcela resolveu não ter mais filhos. Queria preservar a silhueta. Marcela era uma mulher muito ciumenta, o que deixava Marcos envaidecido, mas às vezes assustado pelas reações possessivas da esposa. Marcela temia que ele procurasse realizar seu sonho de ter um filho com outra mulher.
Ao retornar para seu ateliê e reiniciar seus trabalhos, Odete encontrou Olavo tomando seu açaí gelado com farinha de tapioca.
– Eu estava a sua procura, Odete. Onde você se meteu?
– No quarto de Marcela – respondeu dona Odete.
– Ela está com algum problema?
– Não. Fui ver a roupa nova que ela comprou no Rio.
Passaram para a sala de estar. Enquanto conversavam, Marcela surge e anuncia que sairá e demorará a voltar. Ela estava vestida com um tubinho1 vermelho e com uma maquilagem que lhe ressaltava os olhos verdes e os lábios carnudos.
– Marcela, aonde você vai desse jeito e com toda essa chuva?
Marcela não deu ouvidos ao pai, saiu sorrindo.
Nesse momento, Sofia desce e escuta os comentários do avô em relação a sua mãe.
– Odete, você não acha que nossa filha superou rapidamente a morte do marido? Ela não procura saber o porquê do suicídio dele. Conformou-se com o laudo óbvio do IML.
– O que você quer dizer com isso, Olavo?
– Desde que Marcos morreu, tenho observado o comportamento estranho de nossa filha, mas talvez seja por conta do choque da perda – disse, tentando dissipar da cabeça maus pensamentos.
Na noite seguinte, toca o telefone na casa dos Medeiros. Era Cláudia novamente querendo falar com Marcela. Desta vez ela atende ao telefone.
– Nossa! Como é difícil falar com você – Cláudia fala em tom irônico.
– É que andei bastante ocupada ultimamente. Mas, do que se trata?
– É um assunto muito importante para mim e para você, mas não gostaria que fosse por telefone.
Marcela ficou intrigada, mas resolveu marcar o encontro para o dia seguinte. Assim que desligou o aparelho, um frio correu-lhe o corpo. Todos perceberam a sua mudança de humor. Ela tentou disfarçar dizendo que estava com dor de cabeça e iria deitar-se.
Cláudia começou a pensar no que faria para saber mais coisas sobre a vida de Marcos, sem parecer invasiva demais. Marcela já havia demonstrado que não iria expor sua vida, nem a do marido, até porque não havia uma relação íntima entre as duas, apesar de Cláudia e Marcos serem grandes amigos. De repente, uma idéia: conduzir a conversa com Marcela como se fosse uma entrevista visando a produzir um livro em homenagem ao eminente jornalista Marcos Paes.
O encontro aconteceu e o plano de Cláudia havia dado certo, o que facilitou o convívio desta na casa dos Medeiros. Foram alguns meses de idas e vindas, sem que nada que trouxesse alguma luz às desconfianças de Cláudia pudesse ser observado. Até que Marcela recebe uma ligação que a deixou bastante perturbada. Era de um homem chamado Duarte, que dizia precisar de mais dinheiro, pois o que recebera já havia acabado.
Marcela recebeu outras ligações desse mesmo homem e era notório o estado em que ficava após tais ligações.
Cláudia passa então a seguir Marcela. Numa das investidas, a viu encontrar-se com um homem alto, cabelos até os ombros e de chapéu. Era de fato Duarte. Percebeu quando este recebeu uma quantia em dinheiro. Não hesitou em registrar tudo com sua máquina fotográfica. Isto lhe seria muito útil. Sua suspeita estava confirmada. Aquele homem tinha alguma coisa a ver com a morte de Marcos. Cláudia, porém, agiu como se nada tivesse acontecido.
– Hoje iremos fazer uma visita importante – disse Olavo sentado em sua poltrona preferida tomando um gostoso suco de bacuri.
– Para quem, vovô? – perguntou Sofia, sentada, tomando também o delicioso suco, acompanhada de sua avó.
– Meu amigo francês, o arquiteto Pierre.
–Será que eu posso também participar desse jantar? – Perguntou Cláudia, surgindo na sala.
– Claro que pode, Cláudia – disse-lhe Olavo.
– Muito obrigada, Sr. Olavo.
– É só você esperar até às oito horas da noite – disse Sofia.
Na hora marcada, o motorista de Pierre veio apanhá-los.
Foram recebidos por uma governanta em impecável uniforme, que os conduziu até a sala principal da linda mansão.
Próximo à mesa do jantar aparecia um bufet apetitoso, uma mostra das cozinhas francesa e paraense.
– Meu Deus, D. Odete! Quanta fartura e quanto luxo – admirou-se Cláudia. – Quem é esse homem? Eu estou louca para conhecê-lo.
– É um homem maravilhoso, respondeu D. Odete.
Pierre os esperava na sala de estar. Era um homem de 1m85 de altura, atlético, loiro, de mais ou menos 45 anos. – Salve, amigo Olavo! Nossa, quanto tempo!
– Olá, amigo Pierre! – Por onde andava?
– Viajando para tentar amenizar um pouco a perda de minha esposa.
– Como vai, Sr. Pierre? Disse Sofia.
– Vou muito bem mademoiselle. Você está cada vez mais linda.
Pierre olhou para Cláudia admirado com aquela linda morena de cabelos longos cacheados.
– Nossa, como é bonita a sua amiga, Olavo!
– Eu me chamo Cláudia Almeida. Muito prazer.
– O prazer é todo meu, chéri – beijando-lhe a mão. E Marcela?
– Ela anda muito estranha estes últimos tempos. Mês passado, Marcos completou um ano de morto e parece que esta data serviu para deixá-la bastante perturbada.
Mas não falemos de coisas tristes disse seu Olavo, puxando um assunto que desencadeou uma conversa agradável entre eles, até que Pierre se levantou e se dirigiu para a sala de jantar, fazendo sinal para que todos o seguissem.
Durante o jantar os olhares entre Pierre e Cláudia deixavam evidente o interesse um pelo outro.
Pierre propôs um brinde:
– Ao nosso reencontro, Sr. Olavo, à sua família e a essa jovem encantadora que acabo de conhecer.
Desse dia em diante, Cláudia e Pierre passaram a encontrar-se freqüentemente. Passados três meses de namoro, resolveram ficar noivos.
Sofia, Laura e Maria, agora estudando à tarde, se preparam para voltar às aulas. Vestiram os uniforme e desceram para o almoço com a avó, já que seu Olavo estava para o sul do Pará e Marcela precisou viajar por uma semana, após misterioso telefonema.
Enquanto almoçavam, Cláudia surge na cozinha.
– Boa-tarde, dona Odete.
– Boa-tarde, Cláudia. Almoce conosco?
– Com todo o prazer – disse, sentando-se na cadeira ao lado de Sofia. – Tudo bem com você, Sofia?
– Estou bem obrigada.
– Eu não sabia que você ia recomeçar suas aulas hoje.
– Sofia conclui o colegial este ano – disse dona Odete.
– Vovó, eu preciso passar rapidamente em casa para pegar o material escolar.
– Ih! É mesmo. Eu vou mandar o motorista passar por lá antes de irem para a escola.
– Eu posso perfeitamente pegar para vocês, Sofia. Não vai custar nada.
– Você não sabe o favor que faz, senhorita Cláudia – disse dona Odete.
Cláudia pegou o material escolar de Sofia e aproveitou para levá-la à escola e seguiu novamente para a casa de Marcela.
Marcela volta antes do previsto e segue direto para sua casa.
Ao chegar lá, estranhou o fato de o carro de Cláudia estar estacionado em frente de sua casa. Assim que atravessou a sala de estar, estranhou não encontrá-la ali. A passos lentos, encaminhou-se para o seu quarto, mas ela não estava ali também. Aproveitou e pegou um revólver que estava na gaveta de sua cômoda e saiu na direção da cozinha.
Cláudia estava tão entretida lendo o diário de Marcela, que não percebeu a aproximação desta.
Assustou-se ao vê-la apontando uma arma para ela. Tentou dar um passo à frente, mas Marcela lhe falou:
– Não tente se fazer de engraçadinha, pois não exitarei em estourar os seus miolos.
– Assim como você acabou com a vida de seu marido?
– Ele me obrigou a fazer isso – disse Marcela, visivelmente atordoada com as palavras de Cláudia.
Mas o que pode ele ter-lhe feito, se a amava tanto?
Naquele momento Marcela começou a expor o motivo que a levou a matar o homem pelo qual era perdidamente apaixonada, mas que ela achava não ser amada com a mesma intensidade. Isso somado ao fato de não terem conseguido ter um menino, um dos sonhos de Marcos, a atormentava, fazendo com que seu ciúme aos poucos se tornasse uma obsessão.
Marcela tinha uma empregada jovem e bonita de nome Amanda, que de repente apareceu grávida. Ela, sem nenhum motivo aparente, colocou na cabeça que aquele filho poderia ser de seu marido. Daí insistiu para que Amanda abortasse a criança. Inexperiente, a moça foi levada a uma dessas clínicas clandestinas, onde foi feito o serviço. Dias depois, veio a falecer.
Quando Marcos soube do envolvimento de Marcela nesse episódio, teve séria discussão com ela e disse-lhe que, tão logo passasse o aniversário de Sofia, a entregaria à Polícia para que pagasse pelo que fez.
Daí Marcela ter tido a idéia de contratar Duarte para matá-lo no dia do aniversário da filha, por ser mais fácil o acesso de pessoas sem levantar suspeitas. Tudo deveria acontecer de tal maneira que parecesse um suicídio. Para isso, Duarte arrumou um comparsa. A idéia era que Marcos visse o comparsa com uma de suas filhas na mira de um revólver e que ele cometesse suicídio, caso contrário uma de suas filhas seria sacrificada, sendo que, nesse caso, ele também morreria. Não tendo alternativa, Marcos optou pela primeira idéia.
– Bem que você merece acabar como ele, Cláudia, por intrometer-se na vida alheia. É uma pena que você não vai cumprir a sua promessa a Marcos. Você vai acabar como ele: no inferno.
Marcela atira na direção de Cláudia, que se joga ao chão, tentando proteger-se do disparo, mas é atingida no ombro direito.
Pierre, que já sabia das suspeitas de Cláudia com relação a Marcela e avisado por aquela de que iria tentar mais alguma prova na casa dela, enquanto estivesse viajando, foi procurá-la com receio de que algo lhe acontecesse. Ao chegar a casa de Marcela, escutou o tiro de revólver e correu para cozinha, de onde proveio o barulho.
– O que está acontecendo aqui? – perguntou Pierre. – Ela está querendo acabar comigo – disse-lhe Marcela.
– Meu Deus, você acertou Cláudia – exclamou, dobrando-se ao chão para socorrê-la, quando ouviu Marcela dizer-lhe:
– Você não vai levá-la a lugar nenhum.
Pierre levantou-se na direção de Marcela, que lhe falou: – Eu tenho uma arma apontada para você. Fique quieto. Não se aproxime a não ser que queira que eu atire também em você.
– O que significa isto, Marcela? Não espera que eu fique aqui parado, enquanto Cláudia está morrendo.
– Que morra!
Pierre manteve-se calmo, pensando numa maneira de tirar a arma das mãos de Marcela.
– Eu não vou fazer nada para prejudicar você, apenas deixe-me socorrer Cláudia e esquecemos o que aconteceu aqui. Está bem?
– Ela não pode sobreviver, ela tem de morrer.
Cláudia, com muito esforço, diz a Pierre que foi Marcela quem mandou matar o marido.
Nesse exato momento, Sofia entra na cozinha e escuta a revelação de Marcela e diz com os olhos cheios d’água.
– Eu já sabia que tinha sido a senhora quem mandou matar papai.
– Como sabia disso? – perguntou Marcela, espantada com a revelação da filha.
– Desde que Amanda começou a trabalhar para nós, vi com bastante freqüência o seu comportamento em relação a papai. A senhora tinha ciúmes dele com Amanda. Saiba que não havia nada entre eles. No dia de meus treze anos, percebi que havia algo errado com ele. Ele estava muito nervoso quando veio cantar os parabéns, sua expressão não demonstrava nenhuma alegria. Quando terminou, ele foi para o quarto e logo depois apareceu morto.
– E por que você não me entregou à polícia? – quis saber Marcela.
– Porque, apesar de tudo a senhora é minha mãe.
Walter se atirou contra Marcela, na tentativa de tirar-lhe a arma. Porém esta dispara um tiro e atinge-lhe o peito.
Pensando que Cláudia também havia morrido, Marcela prepara-se para fugir. Pega seu carro e sai em disparada rumo à BR-316.
Sofia liga para um hospital, solicitando uma ambulância. Em pouco tempo chega a polícia e uma ambulância.
– Felizmente a bala parece não ter atingido nenhum órgão vital dela. Precisará ir ao hospital para repor o sangue perdido, disse um dos médicos.
– Já o estado dele é bastante grave, vamos levá-lo para o CTI, concluiu o médico.
Marcela ouve pelo rádio de seu carro a notícia de que Cláudia e Pierre tinham sido baleados e que a polícia estava no encalço dela, já tinham a placa e a marca do carro. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Felizmente, para ela, já tinha ultrapassado a barreira de Santa Maria do Pará. Seria mais fácil prosseguir viagem. Uma chuva forte começa a cair, o que dificultava-lhe a visão.
Já eram dez horas. Sentindo-se exausta, os olhos azuis atentos na estrada, teve um sobressalto, ao perceber que cochilara ao volante. Diminuiu a velocidade para pensar se seguia ou se entregaria à polícia. Logo abandonou a segunda idéia. Não suportaria a vida numa prisão. Era demais sofisticada para isso. Decidiu seguir em frente, fosse qual fosse o seu destino.
Já próximo à entrada de Irituia, Marcela avistou uma blitz. Estava sem saída, a qualquer momento, pensou ela, poderia ser presa.
Não pensou duas vezes. Deu marcha à ré e voltou em disparada.
Os policiais começaram então a persegui-la. Olhou pelo retrovisor e observou que um carro e uma moto da polícia vinham em seu encalço. Aumentou a velocidade.
À altura da ponte de São Miguel do Guamá um disparo furou um dos pneus do carro de Marcela, fazendo com que este ficasse descontrolado e se precipitasse no Rio Guamá.
Os policiais desceram de seus veículos para verificarem o que havia acontecido.
Como era noite e a chuva ainda estava forte, só puderam ver o carro sendo engolido pela água do rio.
Dois policiais jogaram-se ao rio para tentar salvar Marcela, mas observaram que, como a batida na ponte fora muito forte, o vidro e parte da frente do carro haviam ficado bastante danificados, e que não havia nenhuma pessoa no carro. Como a correnteza estava forte devido à chuva, supuseram que Marcela havia sido jogada para fora do carro e levada pela força da água.
O corpo de Marcela não foi encontrado, embora um grupamento do corpo de bombeiros passasse três dias nessa tentativa.
Passados alguns dias desses acontecimentos, Cláudia, agora casada com Pierre, resolveu ir até o cemitério de Santa Izabel, para levar flores ao túmulo de Marcos.
Cláudia deu os primeiros passos a caminho do mausoléu. Pierre quis acompanhá-la. Ela disse-lhe que precisava ficar sozinha ali.
Cumpri o que prometi. Sua imagem de jornalista suicida não existe mais. Todos os jornais estamparam nas primeiras páginas que você foi, na verdade, assassinado a mando de Marcela.
Depositou as flores em seu túmulo e disse-lhe um carinhoso ADEUS.
Seguiu a passos lentos ao encontro de seu grande amor, com quem dias depois viajou para a França.
Sofia, Laura e Maria passaram a morar definitivamente com os avós. Olavo passou a ir com menos freqüência ao sul do Pará, para cuidar melhor das netas.
Sofia recebeu de Cláudia as anotações que fizera nas conversas com Marcela e escreveu um livro que se tornou um best seller: LOUCA PAIXÃO.
* Costa, Lairson; Josiane Fernandes. In: CONTANDO HISTÓRIAS, L & A Editora, 2005.