Nut - Capítulo VIII
VIII
Daniel entrou esbaforido em seu flat, pisando sobre o envelope que ignorara mais cedo. Deitou-se na cama e ficou a pensar mil artimanhas para se vingar de Luís.
— Ah, maldito, me mandar para uma agência de loucos... Ele vai me pagar...
Seu celular toca avisando o recebimento de uma mensagem. Ele se levanta de mau grado e pega o aparelho sobre o sofá. Lê a mensagem.
“Daniel, parabéns! Estarei enviando o seu presente em breve. Aliás, o que vc quer mesmo?”
— Padrinho...
Daniel sentou-se, pensativo. Esquecera de seu aniversário. Sempre o esqueceu, desde “aquele dia”. Seu padrinho sempre o lembrava. Mas aniversários não significavam nada para ele.
O celular tocou mais uma vez.
— Alô.
— Sr. Daniel?
— Sim.
— Aqui é Ócius, da agência DD. Apareceu algo onde seu perfil se encaixa.
— Mas já? Eu acabei de voltar daí...
— Anote o endereço e esteja lá às duas.
O rapaz anotou o endereço do bico e desligou o celular em seguida. Não faltava muito para às duas horas da tarde. Foi tomar banho, em seguida.
***
— Uma viagem?
Demétris se perguntava de pé à porta do quarto de seus pais, que arrumavam as malas.
— Desse jeito... Será que ela vai me achar?
Pensou mais um pouco e foi arrumar as suas coisas também.
***
— O quê? – Daniel parecia não acreditar no que o homem a sua frente lhe pedira para fazer. – Mas isso não faz sentido algum.
— Você vai receber para fazer o serviço e não para questioná-lo. Topa ou não topa?
Daniel pensou um pouco.
— Sim.
Eles estavam à beira de uma estrada. Uma rodovia que ia para o interior do estado. O trabalho passado a Daniel era um tanto excêntrico.
— Eu tenho que está desse jeito?
O homem, com cara de maníaco (Daniel achou isso de imediato) parecia achar tudo aquilo muito comum.
— Só um pouquinho mais de sangue desse lado da cabeça e pronto! Está divino!
Daniel pôde ver um brilho de felicidade nos olhos do outro.
— Você já sabe o que vai fazer, certo? Vai ficar agonizando à beira da estrada... Quando um carro parar, você distrai o motorista e quem tiver dentro com pedidos de socorro. Aí eu vou e furo o pneu do carro. Só tem a minha borracharia por perto...
— Isso não é crime, não?
— Quem se importa? Lá vem um carro, prepare-se. Eu vou ficar escondido ali no mato.
Daniel deitou-se na pista e ficou a agonizar, muito mal por sinal, erguendo a mão para o céu de maneira patética. Um carro vinha rápido e parou há alguns metros de distância do falso moribundo. Uma senhora muito idosa saiu do veículo e foi o mais rápido possível de encontro ao falso doente.
— Oh meu Deus! Você está bem? O que aconteceu?
Daniel gaguejou palavras sem sentido.
— Desculpe, eu não consigo entendê-lo... Você precisa de ajuda, meu filho, eu vou levá-lo ao hospital...
O outro, habilmente, já fizera o seu serviço e deu um sinal a Daniel, que se ergueu rapidamente e saiu em disparada para dentro do mato.
— Não precisa se preocupar senhora... Eu estou bem... Eu estou bem...
— Oh meu Deus, é um milagre...
A velhinha entrou em seu automóvel com o pneu furado.
— Muito bem Daniel, muito bem...
— Não sei por que, mas eu não estou muito orgulhoso disso...
Meio da tarde, já alguns pneus furados.
Daniel agora estava agonizando no acostamento. Um carro vermelho despontou ao longe e ele se posicionou no meio da pista.
O carro veio vindo e sua velocidade aumentava. O rapaz escutava o barulho do motor do automóvel se aproximando. Mas ele teria que parar.
— Daniel! Corra!
A voz do outro no matagal soou como um berrante.
O rapaz saiu bolando para o acostamento e o automóvel passou raspando em seu corpo. Ele abriu os olhos e viu o vulto vermelho e...
— Hã...
Algo mais; um vulto de uma garota quadrúpede correndo atrás do automóvel.
— Eu devo ter tomado sol demais – falou para sim mesmo, passando a mão na testa, onde um arranhão jorrava sangue de verdade.
O pneu da moto parou a cinco centímetros dos ombros de Daniel. A pessoa na moto tirou o capacete, soltando cabelos negros ao vento.
— O que você está fazendo aqui – Anni perguntou, olhando com certo ar de desprezo para o outro.
— Eu...
Daniel estava definitivamente desconcertado.
— Estava trabalhando.
— Você deveria arrumar um emprego normal.
Daniel ficou mais rubro ainda.
— E por que você não está trabalhando também?
Ela riu cinicamente, esticando a mão para o outro.
— Eu estava trabalhando, bobinho. Venha, suba. Acho que seu expediente já acabou.
O outro, despontando do meio do matagal, grita, enquanto Daniel sobe na garupa da moto de Anni:
— Seu pagamento será efetuado na Agência DD. Obrigado!
Anni acelerou.
— Se quiser, pode colocar as mãos na minha cintura.
Ele obedeceu
***
Mais tarde, à noite, quando chegou ao seu apartamento (após uma visita ao hospital de traumas), Daniel pegou o envelope pisado no chão e o abriu.
A mensagem era escrita à mão. Ao terminar de lê-la, Daniel sentou-se, sem ação, deixando a carta cair.
“Parabéns, Dan.
Há quanto tempo não nos vemos. Mas em meu coração as lembranças ainda estão vivas.
As tristes também, como a nossa separação naquele acidente trágico. Queria muito que você soubesse que eu nunca lhe esqueci, ao contrário de você...
Feliz aniversário! Como poderia esquecer, não é? É meu aniversário também.
Em breve nos encontraremos. Até lá, fique bem.
Selena"
~ Continua ~