A Herança
Passada a cerimônia fúnebre os irmãos de Helena já falavam na herança e planejavam a partilha. Dois deles nem conseguiam disfarçar a alegria ao pensar no que fariam com o que tinham a receber da irmã milionária. A única preocupação era se o namorado iria alegar união estável e reivindicar a herança. Aí haveria uma boa briga judicial.
Helena tinha na ocasião de sua morte sessenta e dois anos. Era viúva há quatro e namorava Júlio César há mais de dois. Eram apaixonados e ele a cobria de amor e carinho. Era sete anos mais novo que ela. Helena convivia com os irmãos, mas de forma um pouco distante. Preferia viver a sua vida sem interferência da família.
Naquela manhã, logo após o desjejum ela teve um mal estar. A funcionária, que estava com ela há muitos anos, chamou imediatamente o socorro. Mas quando chegou ao hospital já não houve recurso. O médico que a atendeu atestou um infarto, mas ficou um pouco desconfiado. Era médico dela e amigo da família.
Passados os dias iniciais de luto a família foi tratar das coisas dela e da partilha. Soube-se que ela havia deixado um testamento. Ao proceder à leitura souberam que ela legou quarenta por cento de seus bens ao namorado, quinze por cento a cada um dos três irmãos. Às duas melhores amigas e à sua funcionária, cinco por cento a cada. Seus sobrinhos, filhos da irmã falecida, não foram citados. Houve uma revolta geral.
Júlio César que estava distante até então foi chamado e se mostrou surpreso ao saber do testamento e de seu quinhão. Chorou e disse que nunca quis nada dela. Que o que mais queria era a sua presença e que estava sofrendo muito com a tragédia que se abateu em sua vida. Mas disse que era uma prova de amor dela deixá-lo amparado.
A família pensava num modo de anular o testamento. Não se conformavam dela ter deixado tão pouco pra eles e achavam que Helena fora coagida por Júlio. Foi quando uma surpresa deixou todos de boca aberta e até constrangidos. O médico chamou a família e disse que ficou muito desconfiado da morte dela e então mandou fazer um exame. E soltou a bomba: Helena foi envenenada. Mas quem poderia ter feito tal coisa?
Foi iniciada a investigação. Todos eram suspeitos. Não era segredo pra ninguém que os irmãos de Helena estavam sempre de olho na fortuna e que torciam, oravam e faziam intriga para que o seu namoro chegasse ao fim e assim não houvesse nenhuma possibilidade de ter que perder a herança ou dividí-la com Júlio. Ele sempre foi uma pessoa acima de qualquer suspeita, apaixonado e Helena nunca reclamou dele.
Todos os suspeitos foram ouvidos. Era mantido o sigilo na investigação. Apreenderam celulares e computadores de todos, inclusive de Helena. Nos dias antes do ocorrido Helena recebeu visitas, o que não era comum acontecer. Seus irmãos e dois sobrinhos a visitaram no dia anterior. Levaram queijos e geléias, pães e biscoitos para o lanche da tarde e ficaram lá mais de duas horas. Duas amigas foram visitá-la dois dias antes, as que foram beneficiadas no testamento. Não havia evidências que Júlio esteve lá nestes dias. A polícia se mexia e a tensão por parte dos suspeitos era grande. Fizeram buscas na casa de Helena duas vezes. Fizeram apreensão do celular de uma terceira pessoa.
Por fim a polícia descobriu que o testamento apresentado pelo advogado à família era o primeiro que ela fez e uma semana antes de sua morte ele foi modificado. O advogado alegou que fez tal coisa a pedido dela e que no tempo certo iria apresentar o testamento com a recente modificação. A explicação não convenceu e a investigação prosseguiu.
Depois de algumas evidências fizeram uma terceira busca na casa de Helena que se encontrava lacrada pela justiça. Descobriram então alguns fatos e objetos interessantes que se encontravam bem escondidos e que poderiam elucidar o caso. Debruçaram então sobre as evidências. Finalmente depois de quase um ano convocaram todos os envolvidos e a imprensa para apresentarem o resultado.
Falaram sobre toda a investigação e por fim soltaram a grande surpresa que deixou todos embasbacados: Helena cometeu suicídio. Falaram como chegaram a esta conclusão.
Através de diversos depoimentos, inclusive do médico, souberam que ela tinha depressão e que se recusava a fazer uso dos medicamentos. Nos dias que antecederam à sua morte ela estava num estado de depressão profunda. Seus irmãos e amigas foram avisados por sua funcionária e foram visitá-la tentando fazer alguma coisa por ela.
Cerca de quinze dias antes de sua morte, Helena soube que Júlio estava envolvido com outra mulher o que foi uma imensa decepção. Ela o questionou e ele confirmou, dizendo que tinha se apaixonado por outra e que só não tinha terminado com ela por pena. Brigaram feio e ela o mandou sair de sua vida. No entanto ela não conseguia viver sem ele. Mandava mensagens, o chamou pra uma conversa. Ele foi, mas não voltou atrás, não queria mais o namoro. Nos dias anteriores à morte ela mandou centenas de mensagens pra ele que não respondia. Entre estas mensagens ela dizia que ele se arrependeria de tê-la abandonado e trocado por outra. Enfim na casa dela encontraram bem escondido uma caixinha com o que sobrou do veneno. Encontraram evidências que ela pesquisou sobre o veneno. Mas não sabe como ou de quem conseguiu comprar.
A família estava desolada. Nunca pensou que ela poderia estar sofrendo e deprimida a ponto de tirar a própria vida. Não deixou nenhum bilhete ou carta. Júlio não parecia sentir tanto. Tinham descoberto em seu celular e no da nova namorada muitas mensagens apaixonadas e depois comemorando a fortuna que ela ia herdar e fazendo planos para gastar o dinheiro dela.
Na modificação que fez no testamento Júlio foi excluído, a parte dos irmãos aumentada, os sobrinhos contemplados com uma pequena parte e outra parte legada a duas instituições de caridade da cidade. As demais legatárias foram mantidas. Júlio travou a partilha tentando provar que tinha uma união estável com ela e que tinha direito à sua parte. E seguia a briga judicial, não se sabe até quando. E a herança tão desejada por todos continuava sem poder ser desfrutada.