Nut - Capítulo VII
VII
A lanchonete do Homero estava mais cheia aquela manhã. Daniel entrou e percebeu isso na mesma hora. O dono do estabelecimento ia de mesa em mesa, explicando e se desculpando pelo fato da lanchonete não ter aberto no dia anterior.
— O que vai querer?
— Hã?
Anni perguntou, como um sorriso empolgante, uma cadernetinha na mão e um avental... rosa.
— O... O de sempre.
— É... desculpe, mas caso não tenha percebido, eu sou nova aqui.
Daniel ficou vermelho na mesma hora.
— Anni! – Homero gritou. – Pode deixar que eu cuido do pedido do rapaz.
Ela se retirou em seguida para a outra mesa.
— Linda, não é?
— Sim – respondeu Daniel – Quê? Quando você chegou?
— Agora a pouco... Você tava tão encantado com a nova garçonete que nem viu quando seu melhor amigo chegou. – Luís senta-se à mesa de Daniel.
— Você não é o meu melhor amigo.
O outro faz uma cara fingidamente triste.
— Não sou? Eu vou chorar.
— Ah, vá se danar.
— Hum, quem mais além do seu melhor amigo lhe daria essa oportunidade aqui – joga um panfleto à frente de Daniel.
— O que é isso?
— Leia.
— Uma agência de empregos.
— Não é qualquer agência de empregos. Essa daí é especializada em gente nova e sem experiência, assim como você, que nunca deu duro numa barra de sabão.
— Você também nunca trabalhou.
Luís fica pensativo um instante. Enfim, responde:
— Meus pais são ricos, esqueceu?
— Idiota.
— Obrigado. Cadê a garçonete? Quero fazer o meu pedido.
***
Na cobertura do prédio, o jovem olhava para o horizonte, para o que estaria além do horizonte, na verdade. Tudo estava confuso na sua cabeça. As últimas impressões de sua vida, coisas que haviam acontecido ontem, pareciam agora lembranças de um passado distante.
A garota de hálito de sangue.
Ele se sentiu muito bem perto dela. No fundo ele sabia que ela não era alguém comum. A forma como ela entrou na sua vida denunciava isso.
Mas e a felicidade que ela transmitia?
E se nada daquilo foi real?
Esquecera quantas vezes perguntara-se isso nos últimos dias. Aliás, quantos dias mesmo?
— Demi.
Ele virou-se.
— Você – ele sentiu um pouco do pavor repentino do último encontro com Luna invadir sua pele e eriçar os seus pêlos.
Ela se aproximou. Estava com as roupas, que Demétris lhe emprestara, bem sujas.
— Eu quero pedir desculpas.
— Você matou aquela mulher?
— Não.
Ele sentiu um alívio.
— Mas eu também comi de sua carne e bebi do seu sangue – seus olhos encheram-se de água. – É assim que “ele” me alimenta. Com suas sobras.
— Quem é “ele”?
Ela baixa a cabeça.
— Eu juro que não sou má. Não queria que nada disso estivesse acontecendo com você. Eu não queria, eu juro – o choro foi inevitável.
— O que está acontecendo comigo?
— Não posso dizer.
— Pois então vá embora. Suma da minha vida – deu as costas a ela sentindo um aperto no peito.
— Você... Você tem que perceber sozinho. Desculpe...
Um ronco animal interrompe os soluços de Luna.
— Ah – ela se envergonha e põe a mão na barriga.
— Você está com fome de novo?
— Sim...
— Sangue só... serve?
— Sim...
Ele se aproximou dela, esticou o seu braço esquerdo e mostrou-lhe o pulso.
— Beba do meu, então, mas faça mais o que você fez ontem.
— Demi...
***
Agência de empregos “DD”.
Daniel entrou na sala e sentiu o calor do dia aliviar graças ao ventilador de teto. O homem por trás da escrivaninha cheia currículos e dos óculos era de meia idade, mas não tinha cabelos brancos, embora estivessem muito assanhados. Estava com o currículo de Daniel e o lia com atenção. Fez isso durante 15 minutos.
Daniel não tirava os olhos do relógio e do estranho quadro retratando uma mulher sendo engolida por um estranho peixe.
— É minha esposa – falou o homem, sem tirar os olhos do currículo de menos de uma página. – Mandei pintar o quadro em sua memória.
— Eu sinto muito.
— Não precisa. Achamos o maldito peixe depois, encalhado numa praia. Morreu engasgado – olhou firme para Daniel, que estava sentado à sua frente.
O rapaz não conseguiu falar mais nada.
— Bom, Sr. Daniel, eu estudei muito o seu currículo e constatei que você não tem experiência alguma.
— Isso é verdade, mas...
— Sim, mas nós não excluímos pessoas como você aqui na Agência DEAD.
— D... DEAD?
— DD, se preferir – riu simpaticamente para o rapaz. – Nós entraremos em contato quando aparecer algo, ok?
— Ok.
Daniel saiu da sala em seguida, planejando matar Luís quando o visse.
***
— Desculpe. Do seu, eu não posso beber.
— Prefere o de cadáveres?
— Fico feliz que você esteja acordando...
— Do que está falando.
— Eu vou embora, Demi. Mas vou ficar por perto, caso precise de mim.
Ela se afastou até o parapeito do prédio.
— Espere Luna...
Ela sobe no parapeito.
— O que você vai fazer?
— Não se preocupe. Farei de tudo para que não veja mais sangue.
Abaixou-se, pegou impulso e pulou para o prédio vizinho de maneira fenomenal. Saiu em disparada, não sem antes dar uma última olhada para o que ficara.
“No final das contas, ele já está acordando...”
~ Continua ~