A garota Na casa dos bruxos

Era Halloween, o tão esperado Dia das Bruxas! As ruas estavam enfeitadas com abóboras iluminadas, teias de aranha falsas e fantasmas de lençol, e as crianças corriam animadas, enchendo suas sacolas com doces.

Para Luna e Sophie, duas amigas de 10 anos, essa era a melhor época do ano. Vestidas de fadinhas, já tinham coletado uma boa quantidade de doces e estavam decididas a bater em todas as portas do bairro, até mesmo na mais temida de todas.

— Sophie, temos mesmo que pedir doces na casa dos Moreau? — Luna perguntou, hesitante.

Sophie não respondeu de imediato, apenas olhou para a residência Moreau. A família tinha essa fama porque era conhecida por seu mau humor e pelos estranhos barulhos que vinham da casa. Muitas crianças do bairro, e até mesmo alguns adultos, acreditavam que eram bruxos. Ninguém tinha contato com eles, e aqueles que tentavam eram ignorados.

A casa também não ajudava: era uma construção grande, com janelas altas e estreitas, um telhado íngreme e uma estrutura antiga e desgastada, com tábuas visivelmente envelhecidas. À esquerda, havia uma grande árvore seca e retorcida, com um balanço de pneu pendurado em um dos galhos.

— Tô com medo... — Luna encolheu os ombros, assustada.

— Relaxa, eu te protejo. — Sophie disse, confiante, acariciando as costas da amiga em um gesto acolhedor.

— E se eles nos transformarem em sapos? — Luna questionou, mexendo nervosa em uma mecha de seu cabelo loiro.

— Eu mordo eles.

— Sapo tem dente? — a loira perguntou, franzindo o cenho.

— Vemos isso depois. — Sophie respondeu, batendo na porta.

As duas ficaram esperando, mas ninguém atendeu.

— Acho que não—

— FULIGEM! — Uma voz ecoou de dentro da casa, interrompendo Luna.

— A bruxa está invocando alguma coisa! — Luna sussurrou para a amiga.

— Parece que sim... — Sophie concordou, dando um passo para trás.

— FULIGEM! — O grito foi ainda mais alto dessa vez.

— Sophie, vamos embora! — Luna implorou, puxando a amiga pelo braço.

— Acho uma boa ideia — Sophie concordou, se virando para ir embora.

As duas estavam prestes a sair, mas antes que pudessem dar um passo, ouviram algo cair dentro da casa.

— Você ouviu isso? — Luna perguntou, arregalando os olhos.

— Uhum... — Sophie murmurou, tão assustada quanto ela.

Logo depois, um murmúrio baixinho veio do interior da casa, parecendo ser a voz de uma criança.

— Eles sequestraram uma criança! — Sophie concluiu, assustada.

— Precisamos ver o que está acontecendo! — Os olhos castanhos de Luna estavam vidrados na casa.

— Não... — Sophie balançou a cabeça, relutante.

— A garota deve estar precisando de ajuda... — A morena tinha um olhar preocupado no rosto.

— Mas os bruxos... — Sophie ainda hesitava.

— Nossos pais nos ensinaram que devemos ajudar os outros. — Luna segurou a mão da amiga para encorajá-la.

— Verdade... — Ela fez uma pausa. — Vamos ajudar. — Sophie apertou a mão da amiga, um pouco mais confiante.

As duas correram para uma janela ao lado da porta, que sempre ficava entreaberta. Inclinaram-se para espiar lá dentro, mas o cômodo estava escuro.

— Não tem ninguém... — Luna sussurrou.

— Tem sim! Olha ali! — Sophie apontou.

Na ponta da janela, duas mãozinhas seguravam o parapeito, e um pedacinho de cabelo aparecia.

— Oi...? — Luna chamou, hesitante.

Pouco a pouco, uma menininha apareceu na janela. Era um pouco menor do que elas, tinha os cabelos pretos presos em duas marias-chiquinhas. Seus olhos, pretos como jabuticabas, estavam cheios de lágrimas.

— Oi... — A garotinha disse, tentando se apoiar na janela.

— Quem é você? Os bruxos Moreau te sequestraram?! — Sophie perguntou, chocada.

— Bruxos Moreau...? — A menina pareceu confusa. — Eles são meus pais.

Ambas ficaram boquiabertas. Elas não sabiam que os senhores Moreau tinham uma filha aparentemente da idade delas.

— Mas... você não parece uma bruxa. — Luna disse, intrigada.

— Porque eu não sou.

— Prova! — As garotas disseram juntas.

— Eu juro de dedinho que não sou. — Ela mostrou o dedinho de promessa.

— Não acredito em você. — Sophie resmungou, dando de ombros.

— Eu juro! Eu sou boazinha, nunca fiz mal para ninguém! — A menina insistiu.

Mas as garotas continuavam em silêncio. Estavam com medo, mas ao mesmo tempo curiosas para saber mais sobre a garota.

— Qual é o seu nome? — Luna perguntou, quebrando o silêncio.

— Mia. — Ela se apresentou.

— Prazer, Mia! Eu sou a Luna e essa é a Sophie. — Luna sorriu, carismática.

— Prazer. — Ela sorriu por instantes. — Mas vocês viram o Fuligem?

— O quê?! — As duas falaram juntas.

— O Fuligem, meu gato. Ele sumiu. — Mia explicou.

— Com um nome desses também... — Sophie murmurou para Luna, que lhe deu uma cotovelada.

— Como ele é? — Luna perguntou.

— Preto, com olhos azuis e uma coleira vermelha. — Mia explicou, até que um estalar de dedos interrompeu a conversa.

— Ah, o Rabugento! — Luna exclamou.

— Rabugento? — Mia levantou a sobrancelha, confusa.

— O gato é conhecido assim no bairro por encarar qualquer um que passasse pela casa e até atacar quem chegasse perto demais. — Sophie explicou.

— Ah... então vocês o viram? — A pequena perguntou, esperançosa.

— Não... — Sophie respondeu, vendo o sorriso de Mia desaparecer rapidamente.

A menina fez um bico e parecia prestes a chorar.

— Ei, não chore! Quer ajuda para procurar? Podemos sair e procurar com você! — Luna sugeriu.

— Eu não posso sair de casa... — Ela choramingou.

— Mas hoje é Halloween! Todas as crianças saem para pegar doce. — Sophie protestou.

— Mesmo assim, meus pais dizem que é bobagem... — Ela explicou.

— Você não sai nem para ir à escola? — Luna perguntou, curiosa.

— Eu estudo em casa. — Mia respondeu.

— Sortuda. — A loira resmungou baixo, mas Luna a repreendeu.

— E agora? — A garotinha perguntou.

— Você precisa sair daí para que possamos procurar o gato juntas. — Ambas explicaram.

— Mas meus pais... — Mia ainda parecia relutante.

— Eles vão entender depois. Eles não iam transformar a própria filha em sapo. Vem, a gente protege você. — Luna tentou convencê-la.

Mia hesitou, mas, ao ver a animação das meninas, assentiu.

— Então... vocês vão me ajudar a encontrar? — Mia perguntou, esperançosa.

— Claro! Mas primeiro, vamos ter que te tirar daí. Você precisa ver o mundo! — Luna disse, animada.

— Tipo a Rapunzel? — Seus olhos brilharam, animados.

— Isso mesmo! — Elas afirmaram.

Mia sorriu, empolgada.

— Pula a janela. — Sophie deu uma ideia.

— Isso! Quando falarmos ‘já’, você pula a janela. — A morena explicou, se preparando para pegá-la junto com Sophie.

A menina assentiu e se preparou.

— 1... 2... 3... e... Já! — Elas anunciaram.

Mia então pulou com tudo nas duas, que não conseguiram segurá-la, e todas foram parar em uma moita no chão.

— Aii... — Sophie gemeu de dor.

— Devia ter usado a porta... — Mia resmungou.

— Concordo. — Luna disse, rindo, numa mistura de dor e diversão.

As três se ajudaram a levantar levemente.

— Pronto, agora vamos achar o seu gato! — A loira disse, empolgada.

As três correram pelo bairro, aproveitando para pegar alguns doces e mostrar a Mia como era divertido.

Era por volta de Nove da noite ambas já tinham visitado quase o bairro inteiro mas, mesmo depois de muito procurar, ainda não tinham encontrado o gato.

— Até agora, nada... — Sophie suspirou.

De repente, Mia começou a chorar.

— Buaaa!

— Calma, Mia! Vamos— Luna parou de falar ao ouvir um miado. — Vocês ouviram isso?!

Outro miado veio do alto.

— É o meu gato! — Mia disse, animada.

Seguiram o som até um parquinho abandonado, onde encontraram dois garotos segurando o pobre animal.

Eram Henry e Mike, os garotos mais travessos do bairro. Eles viviam se metendo em encrenca, e todos dali os odiavam. Principalmente Sophie e Luna.

— Ei! O que estão fazendo com esse gato?! — Sophie gritou.

— Ele me arranhou! — Henry reclamou, apertando o gato.

— SOLTA ELE! — A morena ordenou, se aproximando.

— Não! — Ele protestou, se afastando.

— Soltem o meu gato! — Mia exigiu, sentindo a raiva borbulhar em seu sangue.

— Não! Ele me atacou, ele vai ver só! — Os dois garotos se negaram.

Mike então pegou o gato e apertou sua perna, fazendo-o miar de dor.

Vendo a situação, Sophie não pensou duas vezes e empurrou o menino, que caiu no chão com tudo, soltando o gato.

— SUA... — Henry empurrou Sophie, que também caiu.

— Tira a mão dela! — Luna se abaixou, pegou um punhado de terra e jogou no rosto do garoto.

Enquanto ele coçava os olhos, Mia empurrou o outro menino, que caiu no chão.

— Vamos embora, Bill! — O garoto ajudou o amigo a levantar e saiu correndo. — VOCÊS VÃO VER! MÃÃÃE!

Mia pegou o gato no colo e o abraçou, emocionada.

— Obrigada, meninas...! — Ela agradeceu.

— Amigas são para essas coisas! — Luna disse.

— Amigas...? — Seus olhos se iluminaram.

— Sim! — Sophie e Luna a abraçaram.

Por um minuto, parecia que o tempo havia parado. Era só elas, ninguém mais existia... até que...

— MAS O QUE É ISSO?! — Um grito rouco a tirou dos pensamentos.

Sophie e Luna olharam na direção do grito e viram a senhora Paola Moreau, uma mulher alta, de roupas chiques, cabelos grisalhos e pele pálida. Seus olhos escuros as perfuravam de irritação.

— SOLTEM MEU GATO! — Ela exigiu.

— Sua filha estava preocupada com ele. Só estávamos ajudando a achá-lo. — Elas explicaram.

A senhora, de repente, arregalou os olhos e parou de falar. As palavras a atingiram como uma arma. Ela cerrou os dentes e apertou os punhos com força.

— Parem de falar merda! — Ela cuspiu palavras de ódio.

— Mas não é mentira! Conta pra ela! — Ambas se viraram para Mia, que não estava mais lá. Apenas o gato permanecia no chão, se lambendo. — Mia...?

— Parem de dizer esse nome! — Ela ordenou novamente. Sua fúria era evidente em seu olhar, que agora carregava lágrimas.

— Mas ela estava aqui... — Sophie gaguejou, confusa.

A senhora bateu o pé no chão com ódio antes de ir até as meninas e pegar o gato com rancor. Sem dizer mais nada, virou-se para ir embora, mas parou ao ouvir a voz da garotinha morena.

— Senhora... sua filha...

— PARA DE FALAR DELA! PARE DE FALAR O NOME DELA! QUER SABER ONDE TÁ MINHA FILHA?! ELA ESTÁ MORTA! MORREU ATROPELADA QUANDO TINHA A IDADE DE VOCÊS! AGORA QUE JÁ SABEM, ME DEIXEM EM PAZ! — A senhora fechou os olhos e gritou, gritou com toda a força que tinha nos pulmões. Gritou o motivo pelo qual ela e o marido se isolaram do mundo.

Ao abrir os olhos, viu as crianças a encarando, assustadas. Antes que pudesse dizer algo, as meninas saíram correndo de medo.

Daquele dia em diante, Sophie e Luna nunca mais esqueceram a garota na casa na bruxos.

Fim.

Raissafernanda
Enviado por Raissafernanda em 25/03/2025
Código do texto: T8293950
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