Fenecimento Gradual

Andava pelo quarto freneticamente

Tinha vindo da sala, aturdida, decepcionada

Jogou a cabeça pra trás, desconsoladamente

Já havia experimentado aquela contrariedade

Comumente arrastava-se pelos cantos da casa

Conhecia a mágoa e o desgosto com propriedade

Era assim que se sentia – cozinhada, engabelada

Constantemente e implacavelmente iludida.

Tanto esforço, tanta luta, tantas mágoas.

No início, um detalhe ou outro foi percebendo

Em pequenos atos, apaixonada, foi cedendo

Acontecia em casa, no mercado, ao relento.

Muito nova, permitia certas atitudes insistentes

Tinha uma infinidade pra aprender, sentia-se inexperiente

Uma ordem aqui, uma crítica ali

O tempo passava, parecia que não aprendia nada

Queria entender, mas parecia que só piorava

A ponderação dizia pra ser pacata, cordata.

Vivia desse jeito, um amor passivo respirava

Julgava-se inadequada, errada, desajustada

Simplesmente suas ideias eram ignoradas.

Uma transformação rígida dentro de si tentava

Percebia que cada ação não se acomodava

Uma paralisante constância de angústia

Reclamações frequentes, elogios ausentes

Só restava a autopiedade, a amargura, o pesar

Seu psicológico destruído rotineiramente

Ela não agia assim, não falava de modo grosseiro

Dosava as palavras, não incomodava

Queria agradar a todos e por isso se questionava

Em seu cotidiano, havia desencanto

Inaceitável, indevido, injusto

Convivia com um sufocante pranto

Jogou-se no colchão desconsoladamente

Queria gritar, berrar, urrar sem controle

Comprimia as mãos uma na outra nervosamente

Chegou a se debater propositadamente

Como se pudesse expulsar os impactos internos

Dos incômodos, da dor, do tormento

Questionou por que perseverou na tentativa

Foi paciente, foi perseverante, foi resistente

Porém tudo parecia uma ação inócua e passiva

Num segundo, algo em si despertou

Deu atenção àquele pensamento e divagou

Percebeu que podia executar e não hesitou

Por vezes tinha evitado esse sentimento

De fuga, de retirada, de perda do bom senso

O abandono no interior tão dolorido e intenso

Tinha chegado a hora e agora tinha certeza

Nos planos, adiar nenhum instante mais

Só dessa forma se livraria da tristeza

Arquitetou com detalhes, brecha não deixaria

Uma ansiedade gigante a envolvia

Contudo desistir da oportunidade jamais

Variadas palavras vinham à sua mente

Equilíbrio, prudência, razoabilidade

Expulsou-as todas freneticamente

Cautela é o que sempre teve em cada vivência

Possuía sensatez, juízo e discernimento

Tais capacidades apenas apraziam por um momento

Entretanto impediam a evolução, o progresso

O aprendizado, o desenvolvimento e o processo

De um ser carente de fontes de soerguimento

Lembrou do que precisava, destemida saiu

Foi à cozinha, encheu de água a garrafinha

Retornou ao quarto, pegou aquela caixa e decidiu

Aquela seria a data em que sua coragem mostraria

Rabiscou um bilhete, deixou-o em cima da mesinha

Era só um susto pequeno que nele daria

Pegando os comprimidos apressadamente

Engolindo um a um, cuidando pra não engasgar

Vertia o líquido e se continha, esquivando-se de suspirar

Pronto, estava feito, só restava aguardar

Minutos passaram, chegava o desespero

Lembrou-se do relógio, ele ia chegar

Ouviu o barulho das chaves na porta

Uma prostração, um esmaecimento

Um delíquio, um desfalecimento.

Obs.: Este texto foi originalmente publicado na revista Histórias de Lugar Nenhum, edição 20

Lidiene Costa
Enviado por Lidiene Costa em 20/03/2025
Código do texto: T8290154
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