O OLHO DA SERPENTE
O ano era 1941. Nele, minha vida mudou para sempre. Para melhor? Para pior? Não sei dizer. Mas, sob o olhar hipnótico de uma víbora, fui atraída para um abismo sem perceber.
Meu casamento ia mal. Milton andava estranho há tempos e nós estávamos lentamente nos afastando, como dois barcos à deriva, separados pela força das correntes. Desde que ele voltara de férias do Novo México, uns anos antes, nunca mais foi o mesmo.
Tinha ideias mirabolantes. Sempre as teve. Um maluco obsessivo. Sim, isso me deixou apaixonada por ele no início, pois toda sua atenção era minha. Mas depois ele se desviou para outros assuntos e se tornou muito irritante, especialmente após essas férias. Todo verão voltava para lá. Não queria me contar o que era. Dizia apenas que “precisava de um tempo na natureza”. Como eu odiava isso! Tinha certeza de que ele havia encontrado outra. Só poderia ser.
Quando explodiu a Grande Guerra, achei até bom. Ele deveria ter sido encaminhado para o front. Seria ótimo! Mas, para minha infelicidade, Milton era um excelente médico e disseram que precisavam dele na retaguarda. Foi enviado, isto sim, para um hospital de campanha e ficou ali até o fim do conflito. Droga.
Na sua ausência, consegui um emprego nos correios. Esses anos foram bons, apesar das notícias agourentas do mundo. Esfriei a cabeça. Distraída com o trabalho, ganhando minha própria grana, tudo ficava mais fácil, e decidi investigar o que havia acontecido no Novo México.
Fiquei sabendo que, na época, ele tinha ido ao deserto com Charlie Ryan, um amigo da vizinhança. Esse cara, por conta de uma sequela de poliomielite, não foi recrutado e sua fama não era das melhores, mas eu não queria saber. Um dia desses o chamei para conversar aqui em casa. O homem prontamente compareceu.
– Senhora Ross, é um prazer!
– Entre! Fique à vontade!
Ele entrou, não sem antes lançar um olhar de esguelha que me deu arrepios. Não de medo, mas uma de outra sensação, digamos, mais aprazível.
Servi um chá e nos sentamos à mesa da sala. Eu queria que a conversa fosse breve. Temia que não fosse. Milton estava ausente há um bom tempo e a tentação me consumia! A tentação de vingança... e de volúpia. Mas era inútil resistir. Um calor subia por entre minhas pernas, incontrolável.
– Então, Charlie. Vou ser bem direta. Te chamei aqui porque tenho uma dúvida...
– Madame?
– O que você e Milton foram fazer naquele verão?
Ele engoliu em seco. Os olhos tomaram rumos oblíquos. A perna sequelada se arrastou pelo chão de madeira, fazendo um ruído alto.
– A senhora diz... aquele em que fomos para o deserto? Se bem lembro, não fizemos mais do que caçar alguns faisões...
– Corta essa, vai. O que realmente aconteceu?
Nesse momento, coloquei uma mão na coxa avariada dele. O homem olhou perplexo, uma gota de suor caindo da testa e a boca aberta, como se quisesse revelar algo há muito guardado. Eu percebi e meu calor aumentou. Sua voz saiu trêmula:
– Olha... não sei do que a senhora está falando... foi só isso mesmo...
Minha mão subiu mais um pouco. Os dedos apertaram. O sujeito estava para explodir. Eu também.
– Acho que não deveríamos fazer isso, senhora...
– Você vai me contar ou não?
Meus olhos estavam fixos nos dele, como se lançassem chamas sobre o pobre coitado. Eu já não tinha freios. Charlie, antes com uma feição de incredulidade, logo esboçou um sorriso sem jeito.
– Bem... acho que sim.
A barreira caiu. Não consegui me conter naquela tarde.
***
A porta do escritório abriu-se abruptamente. Era o Coronel Carter. O Tenente Conway, ao vê-lo, levantou-se num pulo, sua cabeça passando a milímetros do ventilador da pequena sala. A seguir, empertigou-se e pôs os dedos retos por sobre a testa.
– Senhor!
– Filho, cuidado para não se machucar! – Riu o Coronel, apontando para cima. – À vontade.
O Tenente relaxou, desabando sobre a cadeira, os olhos perdidos em divagações. Sobre sua mesa, um caderno desbotado em meio a uma papelada infinita espalhada aqui e ali. Caixas tomavam o restante do aposento. Carter analisou aquilo tudo com um sorriso irônico.
– Você está um tanto perdido, não? Quando esse relatório ficará pronto?
– Senhor? Muito em breve, senhor!
– Espero que sim! Saiba que esta é uma investigação muito importante...
***
Para minha surpresa, descobri que Milton não tinha encontrado uma amante no Novo México. Uma pontada de culpa me atravessou quando eu soube através de Charlie, após aquela tarde “animada”. Mas, sinceramente? Naquele ponto eu não mais me importava. Estava cansada do meu marido. Ora ele buscava confusão com suas esquisitices, ora estava ausente, fosse num deserto ou num quartel. Já não tínhamos mais um casamento.
Contudo, eu ainda estava curiosa.
– Charlie... vou repetir: o que vocês fizeram naquele verão? – Perguntei para ele, enquanto nos vestíamos dentro do quarto.
– Olha, realmente fomos caçar. Não tinha mulher alguma. Só que encontramos algo no deserto...
– E o que era?
– Não sei dizer com certeza...
– Desembucha!
– Bem, quando chegamos ao Morro das Serpentes, depois de um dia inteiro rodando, decidimos acampar no pé do monte. Era um lugar bem afastado. Lá pelas tantas, Milton encontrou uma gruta estranha enquanto recolhia lenha. Parecia uma daquelas minas abandonadas. Eu disse para ele não entrar, porque já era quase noite. Mas você conhece Milton, não é?
– Ele entrou...
– Sim, com uma tocha. A abertura era pequena e o teto havia desabado mais além, bloqueando a passagem. Mas achamos umas moedas de ouro, reluzindo como vagalumes naquela escuridão.
– Então vocês encontraram umas moedinhas...
– Não são apenas “moedinhas”. Veja: Milton andou estudando mapas e livros sobre a região. Descobriu que aquele local pode ter sido não uma mina, mas um esconderijo.
– Esconderijo?
– Sim. Ele não me disse que tipo de esconderijo era, mas suspeito que tenha algo valioso lá dentro.
– Ah, conta outra.
– Parece verdade! Milton vivia falando de histórias do Morro das Serpentes, isso e aquilo. Um lugar importante, deve ser.
– Então, esse é o segredo dele?
– Sim, mas...
Eu soltei uma gargalhada nesse momento. Ah, Milton! Sempre um deslumbrado, sempre um idiota!
– Senhora, eu estou com Milton nessa.
– Não me chame de senhora! Chega. Olga, por favor. Ah, quando ele chegar em casa, vai se ver comigo...
***
Ao redor do quartel, o calor desértico consumia o asfalto, que expelia labaredas de ar quente em ondulações vulcânicas, como se espíritos estivessem se elevando das profundezas da terra.
Debaixo de um alpendre, o Tenente Conway baforava apático seu cigarro, observando a desolação do sol no zênite. Meditava a respeito do relatório, atrasado que estava para entregá-lo. O Coronel o pressionava pelos resultados, mas ele tinha dúvidas a respeito daquele trabalho. O que queriam? Por que não revelavam todos os detalhes? Sentia-se como uma marionete nas mãos de seus superiores.
Até que chegou um colega, o Tenente Ricci.
– Conway! Saiu daquela toca quente, não é? Quais são as novas?
– Não sei... está tudo muito estranho. – Ele concluiu a frase com mais uma baforada.
– O Comando está escondendo o jogo, eu sei!
– Sim... até agora, não faço ideia do porquê me pediram para investigar civis.
– Aí tem coisa. Aliás, tudo anda muito estranho ultimamente. Ouvi dizer que dez milhas ao redor do Morro das Serpentes serão fechadas para testes com mísseis.
– Sério?
– Sim. O Comando vai emitir um comunicado, mas muitos duvidam da justificativa.
Os dois tenentes ficaram a observar a paisagem desolada, enquanto a fumaça de seus cigarros subia e se misturava aos fantasmas gerados pelo calor. Mais além, uma grande montanha parecia rir de si, os pedregulhos formando dentes de uma boca obscena.
***
Era julho de 1945, feriado da independência. Muitos retornavam para casa, e eu observava aquele enxame de homens correndo de volta às suas esposas, como abelhas ávidas por mel. Embora a guerra continuasse no Pacífico, a maioria já a tinha como ganha.
Milton também foi dispensado. Ele me telefonou quando saiu do navio. Decidi aguardá-lo na varanda, sentada na cadeira de balanço. Meus pensamentos iam e vinham, na cadência do bamboleio. Até que, ao cair da noite, ouvi a porta de um carro batendo.
Uma figura correu pelo jardim. Os contornos familiares denunciavam a idiotice do sujeito, atabalhoado que era, caminhando trôpego pela grama. Gritou:
– Meu amor! Quanto tempo!
Ah, o fastio. Não aguentava mais esse cara. Não respondi. Somente me levantei da cadeira e cruzei os braços. Ele logo recebeu a minha raiva e se encurvou temeroso.
– O que houve?
– Entre. Precisamos conversar.
Fomos para o quarto e nos sentamos à cabeceira da cama. A mesma em que eu havia estado com Charlie nos últimos tempos.
– Passei por tudo na guerra e agora sou recebido assim...
– Milton, você estava estranho antes de ir embora. Eu não entendia e fui descobrir o porquê: uma história mirabolante sobre... uma caverna?!
O semblante dele foi do temor à fúria.
– Então, andou fofocando por aí, não é?! Charlie deve ter dado com a língua nos dentes, aquele canalha...
Mal sabia ele onde a língua de Charlie havia estado...
– Não venha colocar a culpa em mim! Você destruiu nosso casamento por causa de suas fantasias, Milton! Um punhado de ouro é mais importante do que eu? Aliás, um delírio é mais importante?!
– Você não sabe do que está falando...
– Por que não me disse nada?
– Não queria que me achasse um louco.
Ele se levantou e foi até o cofre. Rodando a combinação, abriu-o e retirou um objeto brilhante. Voltou-se à cama e me mostrou: era uma estranha moeda de ouro, em cujo centro havia uma figura desenhada, uma estrela de safiras envolta por uma cobra. Como se o astro fosse o olho do réptil.
– O que é isso?
– Isto, Olga, é o nosso passaporte para a riqueza!
– Como?!
– É uma moeda retirada do tesouro de Montezuma, há muito esquecido. Eu verifiquei! Este item tem uns quinhentos anos de idade!
– Tá, mas quanto isso vale? Nós vamos ficar ricos só com essa moeda?
– Não! Tem muito mais de onde veio! Ouça bem: a lenda do tesouro de Montezuma não é mais uma estória de cowboy. Tanto é que muitos o buscaram: piratas, bandidos, aventureiros... teve até expedição dos confederados! Ninguém sabia onde os antigos astecas o esconderam, mas é fato que foram para longe dos espanhóis, até o deserto... E eu te digo: está ali, no fundo do Morro das Serpentes, naquela gruta! Eu o achei!
Seus olhos fervilharam nesse momento, o que me assustou um tanto.
– Temos um problema: a caverna está bloqueada. Mas eu consegui um jeito de abri-la!
– E que jeito é esse?
– Conheci um cara no exército que pode fornecer... explosivos!
– Você está brincado... vai explodir a barreira?
– Isso mesmo! E depois nós ficaremos ricos! Ricos!
Milton ria acintosamente e me abraçou com fervor. Eu correspondi com tapinhas mornos em suas costas. Meus pensamentos foram a mil. Não sabia o que dizer. Até que mirei, por cima dos ombros dele, a moeda deixada sobre a cama. Com um arrepio, notei que a serpente parecia retribuir meu olhar.
***
Conway manuseava displicente o entulho acumulado em sua mesa. Fumava o cigarro com avidez e as cinzas caíam como uma nevasca pela saleta. Logo encontraram aconchego na papelada, ressuscitando sem alarde a chama antes morta.
– Droga! – Rugiu, abafando aos tapas a pequena labareda que havia se formado.
Assassinado o fogo, sobressaltou-se: as mãos se queimaram, assim como... as páginas já escritas de seu relatório!
– Não acredito!
Ele balançou as folhas digeridas pelas chamas e os resíduos choveram sobre a terra infecunda de sua mente. O que faria agora? Já antevia a cólera velada do Coronel: “Tive paciência demais, filho!”. Talvez Ricci o substituísse, ganhando os louvores da investigação.
Foi aí que percebeu, debaixo dos papeis queimados, uma pasta em cuja capa estava escrito “Arquivo MDS”.
– O que é isso?!
Não se lembrava daquilo. Provavelmente um item esquecido num canto mofado do quartel. Abrindo-o, entrou em um verdadeiro túnel do tempo: um calhamaço inteiro de antigos inquéritos não concluídos, datados de décadas anteriores, sobre alguns eventos estranhos ocorridos no Novo México, especialmente na área do Morro das Serpentes.
Das páginas, as informações brotavam velozes. Como não havia visto isso antes? Talvez porque o título não convidava a leitura. Mas ele logo se inteirou do conteúdo: desaparecimentos e homicídios acontecidos em circunstâncias estranhas, cujas investigações foram frustradas por falta de provas.
Conway, então, dirigiu-se até as últimas páginas, e, nesse momento, deixou o toco apagado cair da boca.
No título final, constava um nome: “M. Ross”.
***
Milton havia viajado com Charlie até o Morro das Serpentes na semana anterior. Combinaram de estourar os escombros da entrada da caverna. Compraram os explosivos do contrabandista e foram para lá. Se encontrassem o tesouro, o acordo era repartir meio a meio.
Eu estava louca de apreensão. Nesses dias todos, não consegui comer direito. Pedi licença do serviço. Até que, quando eu já não tinha mais unhas para roer, ouvi o ronco de um motor na rua. Era noite. A décima noite desde que eles haviam partido. Fui correndo à janela para ver o que era. Na penumbra, pude divisar um cara manquitolando até a entrada de casa.
Era Charlie.
Nenhum sinal de Milton.
Escancarei a porta e fui até a varanda. Charlie tinha uma feição sombria, a barba por fazer e as roupas sujas. Entrou e não disse nada. Eu o segui.
Ele se sentou no sofá e fechou os olhos. Parecia exausto. Levei um copo de água e toquei suavemente seu ombro, esperando uma resposta. Até que se virou para mim e, com um olhar abatido, disse:
– Está feito! Mas...
– Mas o quê?!
– Mas não havia tesouro algum!
– Não acredito!
Estremeci. Levantei-me, perdida. Não me contive e passei a gritar pela sala, chorando. O sangue estava em minhas mãos. A troco de... nada! Charlie se levantou também e pediu para que eu me acalmasse. Demorou alguns minutos, eu sei. Depois nos sentamos de novo e ele, tomando minhas mãos, exclamou:
– Olha, Milton foi dessa para melhor. Ninguém vai saber. Pode ficar tranquila quanto a isso. Está descansando debaixo daquelas pedras. Agora, apesar de não ter achado o tesouro, encontrei uma outra coisa...
– E o que é?
Nesse momento, ele puxou um estranho objeto de um dos bolsos. Parecia uma seta feita de prata.
– Isto aqui é realmente bizarro. Foi a única coisa que estava na caverna, dentro de um baú. Parece a ponta de uma lança, mas não é. Observe.
Ele esfregou bem o objeto nos cabelos e, depois, colocou-o dentro do copo de água. A seta apontou para o que parecia ser o oeste.
– Não estou entendendo...
– Uma bússola normal apontaria para o norte. Mas essa coisa aqui mira para o oeste. Sempre. Acho que é um dispositivo, sei lá. Deve indicar o local do verdadeiro tesouro!
– Não me venha com essas ideias de Milton, por favor!
– Não! Confie em mim... Veja, nós temos que ir embora. As pessoas vão começar a procurar por seu marido, a polícia inclusive. Temos que desaparecer. Pegue suas coisas, tenho certeza de que encontraremos o tesouro com isto aqui!
Ele me olhava com firmeza. Senti segurança. Não tive mais dúvidas e recolhi meus pertences.
Mas, antes, decidi traçar as últimas linhas deste diário. Por mais que eu tenha tomado antipatia de Milton, a morte dele me atingiu com força. Foi como uma espada atravessando minhas entranhas. Eu e Charlie planejamos tudo. Tudo. Iríamos fugir com o tesouro e desaparecer. No entanto, não consegui me preparar para esse sentimento de culpa. Deus, como pude fazer isso? O sangue parecia escorrer pela sala. Mas não adiantava mais chorar sobre ele.
Deixo aqui meu diário para quem quiser ler sobre essas coisas. Saibam que estou arrependida de meus atos. Contudo, agora que ficarei rica, uma nova vida começa. Nunca descobrirão meu paradeiro! A vida antiga, deixarei inscrita nestas páginas.
Adeus!
***
Ouviram-se batidas na porta, espaçadas numa cadência respeitosa. O Coronel já sabia de quem eram.
– Entre!
A maçaneta girou e, pela abertura, apresentaram-se em continência o Tenente Conway e suas olheiras.
– À vontade, Tenente! Então, terminou o relatório?
– Sim, senhor!
Ele repassou um caderno volumoso por sobre a mesa.
– Bem a tempo! Deixe-me ver...
O Coronel destacou a capa e ateve-se ao preâmbulo:
25 de setembro de 1954
Tenente Conway reportando ao Comando Sul.
O presente relatório aborda o desaparecimento do civil Milton Ross, conforme requisição do Coronel Nate Carter, representante do Alto Comando no Novo México.
A partir da leitura de inquéritos e, sobretudo, do diário da esposa do Sr. Ross, Olga, recuperado após inspeção em sua antiga residência, concluiu-se pelo assassinato de Milton, cujo corpo provavelmente foi escondido em uma caverna do Morro das Serpentes. Recomenda-se averiguação junto às autoridades estaduais para remoção e finalização do inquérito.
Também são dignas de nota algumas investigações antigas sobre desaparecimentos e homicídios ocorridos décadas antes, todos sem conclusão aparente. Populares creditam tais eventos à “Maldição do Morro das Serpentes” e à busca desenfreada por um lendário tesouro asteca perdido na região. Não pude concluir pela veracidade dessa lenda, apesar de reconhecer a existência de um artefato indígena descoberto pela Sra. Ross e por seu amante, Charlie Ryan, autores do homicídio do Sr. Ross e até então desaparecidos.
Sem mais por enquanto. Notas e anexos a seguir.
Após a breve leitura, o Coronel depositou o calhamaço por cima da bancada e exclamou:
– Parabéns, Tenente! Estou satisfeito com sua análise. Tenho certeza de que nossos amigos no Alto Comando também vão apreciar o trabalho. Recomendarei a promoção!
– Senhor? Permissão para falar à vontade!
– Manda ver...
– Coronel, sobre o que se trata tudo isso? Por que tive que investigar essas coisas?
– Filho, se você quiser ser promovido a capitão, tem que saber guardar segredos...
– Sim, é claro.
– Pois bem. Saiba que, a partir de agora, você vai conduzir muitas dessas investigações.
– Senhor?
– Temos razões para acreditar que a Senhora Ross e seu amante Charlie recuperaram um artefato extraterrestre daquela escavação.
– O quê?!
– Desde Roswell, detectamos coisas... anomalias. O Morro das Serpentes é só mais uma peça desse quebra-cabeça que, quando fechado, bem... só Deus sabe.
***
Uma escuridão densa envolvia Olga e Charlie, que tropeçavam em estranhos e pegajosos objetos. Ignoravam os meios pelos quais haviam chegado até ali, aquele antro esquisito, e o medo escorria de seus poros. Ao longe, porém, uma luz tremeluzente parecia chamá-los, um farol perdido em um mar de trevas.
– O que é aquilo?!
Aproximando-se, viram que era uma fenda ovalada, brilhando feito um olho vigilante, cujas pálpebras formavam um círculo de escamas e a íris, outro de estrelas.
Só que estava bloqueado por alguém...
– Milton?!
Era ele mesmo.
Embora estivesse escuro, perceberam que o homem sorria.
– Vejam só, os pombinhos chegaram! Pena que esta porta só se abre para os que merecem.
Aqueles dizeres desceram como navalhas sobre os adúlteros. Charlie rangeu os dentes numa careta. Olga, por sua vez, contraiu os lábios em movimentos espamódicos, uma vã tentativa de resposta. Ela, enfim, balbuciou um som, misto de choro, agonia, berro: a miscelânia que havia dentro de si naquele instante.
– Como você... como você saiu da caverna?
A voz de Milton era triunfante. Ele pôs as mãos nos quadris e estufou o peito ao falar:
– Eles me acharam e me resgataram, em agradecimento por eu ter redescoberto o talismã!
Cenhos se levantaram, olhos se entrecruzaram.
– Eles quem? Que talismã?
Nesse momento, o Grande Olho por detrás de Milton piscou. Sim! Piscou! Foi tão rápido que o casal ergueu as mãos, como que para se defender. Milton riu.
– Os seres ancestrais! – Disse, apontando com o polegar para suas costas. – O talismã é o objeto que vocês carregam, um portal para o mundo deles!
Os interlocutores, recuperados do susto, ergueram a voz em afronta:
– Onde está o tesouro?!
– O talismã é o tesouro, seus imbecis! São tão mesquinhos que não perceberam!
Os adúlteros se entreolharam, depois volveram-se a Milton. Suas feições eram vazias. Aquilo tudo era demais para eles: duas mentes sem imaginação, que pouco enxergavam além do brilho áureo do metal.
– Vocês nunca vão entender... – Murmurou Milton ao atravessar a luz. Então, o Olho se fechou abruptamente, deixando Olga e Charlie na escuridão, onde os ecos de sua ganância ressoavam e sua única companhia era...
A serpente!
Nota do autor: conto baseado na lenda de Victorio Peak (Novo México)