Nut - capítulo VI

VI

O som do corpo da garota caindo ressoou pela cozinha.

— Você?

A silhueta veio surgindo à porta que dava para o quintal; as curvas sinuosas na cintura, uma colante negra, contrastando com a luz da manhã, delineando cada parte do corpo da visitante. Os cabelos negros, à altura dos ombros eram muito lisos.

— Anni! Minha heroína de histórias em quadrinhos...

— Como vai, tio Homo?

Ele riu.

— Há quanto tempo não era chamado assim – falou, pensativo – Por que me impediu agora a pouco?

O corpo de Luna se remexeu no chão.

— Não é ela a sua caça – dirigiu seu olhar penetrante para a garota em posição fetal no piso. – Tio, certos hábitos nunca mudam. O senhor, como sempre, não costuma pensar muito nos seus atos...

— Não me importune. Esqueceu que já sou um aposentado?

Ela o encarou com ainda mais firmeza. Luna ergueu a cabeça lentamente. Anni aproximou-se dela e se ajoelhou.

— Há algo que você precisa fazer, não é?

A garota confirmou com a cabeça, sem encarar Anni.

— Vá. Faça o que tem que fazer. Quando tiver acabado, sabe que seu lugar não é aqui... Se ainda estiver aqui. Matarei você.

Luna levantou-se rapidamente e fugiu pela mesma porta por onde Anni entrara há pouco. Homero senta-se pesadamente numa cadeira.

— Você poderia ter me deixado relembrar um pouco os velhos tempos.

— Não acho que o senhor tenha saudades.

— Por que está aqui, para vigiá-los?

— Isso é tarefa sua.

— Sou aposentado...

— Sabe que nunca um de nós se aposenta por completo. Prova disso era o que você estava prestes a fazer quando cheguei.

Anni segue para a porta e a abre por completo, deixando que os raios solares inundassem a cozinha úmida e se defrontassem com a cara gorda de Homero.

— Ainda não me disse por que o “lado negro” a enviou para cá...

— Tio Homo, o senhor precisa de uma garçonete?

— Sim, mas...

— Pois pronto. Darei o meu melhor – mostrou um sorriso radiante, que parecia iluminar mais que o sol lá fora.

— Por quê?

Homero perguntou, parecendo ignorar a beleza daquela jovem. Ela torna a ficar séria e, olhando para um ponto indefinido no céu, fala:

— Preciso encontrar uma pessoa antes que ela mesma se encontre.

***

Doze anos atrás...

— Elas estão dormindo... Foi um dia muito cansativo.

O carro cortava a rodovia com fúria na noite.

— Querido, por que está tão estranho?

— Vi o jeito que vocês estavam conversando...

— Do que está falando?

O homem no volante fica rubro.

— Não pense que esqueci que vocês dois tem um passado! Achei estranho que você o tenha escolhido para ser o padrinho do Daniel...

No banco traseiro um casal de gêmeos, com aparentes seis anos de idade, dormia tranquilamente.

— Não seja bobo! Não sabe do que está falando!

— Eu não gosto daquele cara!

Ele acelera mais o automóvel.

— Você está indo rápido demais!

Ele ignora o pedido da esposa.

O carro ia como uma bala pela estrada.

Um rápido deslize e três capotadas.

O automóvel rasga a rodovia e explode no matagal à beira da estrada.

Um segundo carro pára a alguns metros do acidente. O motorista corre para averiguar se há sobreviventes, não sem antes notar uma estranha luz esférica e branca que sobrevoava os destroços do automóvel em chamas, subindo verticalmente e desaparecendo no céu em seguida, tal qual uma estrela cadente.

***

Daniel acordou com a chamada de seu celular.

— Alô?

— Boa noite Daniel!

— Ah, é você Luís... Que horas são? Sete da manhã?

— São nove e meia. E isso não é hora de um operário acordar.

— Eu ainda não sou um operário... Vou começar a procurar emprego hoje.

— Claro, não quer mais ser sustentado pelo padrinho... Até porque, se você não passar no vestibular esse ano.... Você tá ferrado...

— Ei?

— Que foi?

— Você é muito chato.

Daniel desligou o celular em seguida.

O flat, apesar de desarrumado, era bem aconchegante. Daniel fora morar sozinho ali há pouco mais de um ano. Viera para a cidade estudar. Antes morava com seu padrinho numa fazenda interiorana.

Ele levantou-se, escovou os dentes, trocou de roupa e se dirigiu à porta.

— O que é isso?

Um envelope estava largado no chão, colocado por baixo da porta.

O rapaz passou mais uns quatro segundos olhando para aquele envelope, em seguida abriu a porta e saiu pelo corredor, deixando o envelope exatamente onde estava.

Continua...