Violência e paz

Ela chegou de forma inesperada, aproximando-se do meu rosto com uma confiança irritante, como se o mundo inteiro estivesse à sua disposição. O tipo de audácia que me faz perder a paciência. Além de tudo, era um tanto quanto feia e inspirava certo asco. Como conseguiu entrar aqui? No primeiro instante, não acreditei na afronta. Mas quando percebi que sua presença não era um equívoco, reagi instintivamente.

Dei-lhe um tapa com tanta força que a dor percorreu minha mão como um choque. Mas ela era mais rápida do que imaginei. Desviou com destreza, afastou-se por um instante, apenas para voltar com ainda mais ousadia. Era como se quisesse me desafiar, rir da minha tentativa frustrada de afastá-la. Sua insistência era insuportável.

Ela investiu contra mim novamente, com aquela energia irritante que parecia infinita. Meu segundo golpe foi certeiro. Desta vez, consegui atingi-la. Ela caiu, atordoada, mas ainda se movia, insistente, como se não aceitasse a derrota.

Sem dar-lhe tempo para uma nova investida, tomei uma decisão definitiva. Com toda a minha força, pisei nela enquanto ainda estava no chão. Um som seco e incômodo ecoou. Fim da batalha. Ela, dessa vez, permaneceu imóvel, deixando escorrer no chão aquele líquido pegajoso e nojento.

No silêncio que se seguiu, um misto de alívio e exasperação me invadiu. Minha respiração ainda estava acelerada, o coração batendo descompassado. Era como se a tensão daquele confronto tivesse me sugado todas as forças. Finalmente, a adrenalina começou a dissipar, e a realidade do ato cometido caiu sobre mim. Que fazer agora? Remover aquele corpo inerte? Limpar o chão para não deixar vestígios? Ou simplesmente ignorar tudo e seguir adiante?

Sem mais me questionar, tomei a decisão de me desfazer daquela coisa. Embrulhei-a o melhor que pude em papéis, certificando-me de conter aquele resíduo gosmento e asqueroso, especialmente o que restava de algo parecido com um estômago. Um balde com água, panos e uma esponja ensaboada cuidaram para que os vestígios fossem definitivamente removidos.

Fiquei exausto, mas o cenário que denunciava o que ali havia ocorrido estava desfeito. Livrei-me daquele embrulho atirando-o na turbulência da água do vaso sanitário. Estava tudo como se nada tivesse ocorrido. Com aquele brutal desfecho, eu tinha plena certeza de que ela nunca mais importunaria ninguém.

Tudo isso por causa de uma mosca. Uma simples mosca, cuja audácia me obrigou a travar essa luta absurda. Ajustei a gola da camisa e respirei fundo, tentando recuperar a calma. Mas não pude evitar: minha mão ainda doía.

Mesmo assim, a dor não me impediria de continuar em paz minha leitura de Cervantes. Abri o livro novamente, tentando esquecer o que acabara de acontecer, mas, por um momento, não consegui evitar o pensamento: "Será que Cervantes também teria perdido a paciência com uma mosca?"

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Insight 19/01/2025

Marco Antonio Pereira

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 19/01/2025
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