Nos jardins de Nisa

Voltar à Citópole era também voltar à civilização, depois dos dias que eu passara enfurnado nos ermos da Judeia e da Samaria, sem hospedarias decentes e banhos públicos, tendo que comer miqpá e pão seco com água. Depois de descansar da longa jornada que fizera até ali, devidamente banhado, perfumado e vestido com roupas limpas, fui ter com meu contratante, Mânio Atrônio Alípio. Até onde eu sabia, ele apenas representava os verdadeiros interessados, mas não era um simples intermediário; prova de sua situação financeira confortável, era a vila onde residia no sopé do monte Gilboa, adquirida segundo diziam, com investimentos na compra e venda de gladiadores. Um císio me levou da cidade até ali, e na entrada, um escravo me conduziu ao suntuoso átrio, onde Mânio me aguardava com ar de expectativa.

- E então, Kallimedon? Parece que conseguiu atiçar todos os vespeiros de uma só vez!

- Missão cumprida - foi a minha resposta, retirando da bolsa que levava presa à cintura a comprovação que me havia sido exigida: o anel-sinete de ouro maciço, que eu tirara da mão do falecido Pôncio Pilatos.

Ele examinou a joia com atenção, antes de me responder:

- Então, foi mesmo você - concluiu, mão no queixo.

- Restava alguma dúvida? - Repliquei, sobrolhos erguidos.

- As notícias ainda são desencontradas, mas a guarnição romana local foi informada que a V Coorte foi atacada por zelotas próximo de Jifna... o paradeiro do prefeito não foi informado.

- Posso lhe garantir que ele estava bem morto quando retirei esse anel do dedo dele - assegurei.

Mânio juntou as palmas das mãos, satisfeito.

- Perfeito! E quanto à outra parte do plano?

- Também foi cumprida... se as autoridades imperiais tiverem um mínimo de capacidade dedutiva, logo concluirão a quem culpar.

Um sorriso foi se desenhando no rosto escanhoado de Mânio.

- Certamente, não os pacíficos seguidores de Jesus...

- Apesar de ser justamente isso o que os meus dardos marcados dão a entender... - prossegui.

- E os zelotas "coincidentemente" atacam uma legião e matam o prefeito - Mânio agora estava esfregando as mãos. - É hora do império mostrar que não vai mais tolerar esse tipo de situação! Chega de judeus revoltosos se insurgindo contra a Pax Romana!

- A resposta terá que ser condizente com a gravidade do crime - sugeri.

Mânio então me conduziu ao tablínio, nos fundos da casa, para quitar os meus serviços. Depois de me entregar uma ânfora com os 2.000 áureos que eu cobrara (e que ostensivamente não fiz questão de conferir, já que meu negócio se baseava em confiança estrita), perguntou-me se havia mais alguma coisa que poderia fazer por mim. Lembrei-me do "pandokeíon" na estrada para Jifna, e da samaritana que o conduzia.

- Essa mulher, Mazali bat Nahor, se puder informar às tropas que não a perturbem... creio que poderia expandir o estabelecimento e a manter como responsável.

- Não sabia desse seu interesse pelo ramo da hospedagem - Mânio lançou-me um olhar curioso.

- Estou pensando mais na frente - redargui. - Depois que tivermos expulsado esses bárbaros ignorantes das terras que hoje ocupam e você e seus associados trouxerem gente civilizada para morar aqui, e estradas bem cuidadas forem construídas, todos irão precisar de uma rede de boas hospedarias ao longo dos caminhos. Eu estou me colocando como futuro gestor dessa rede, e para isso tenho que começar em algum lugar. Jifna me parece ser um ponto tão bom quanto qualquer outro.

- Creio que meus associados não terão nada a obstar - refletiu Mânio.

- Finalizando, me providencie uma escolta para voltar para a cidade - concluí. - Andar por aí carregando dois mil áureos, além do peso, não é seguro; mesmo aqui em Citópole.

Mânio concordou comigo. E destacou dois veteranos citas para me acompanharem num císio, na volta para casa.

- [Continua]