Samaria

No fim daquela manhã cheguei nas cercanias de Siquém, depois de haver cavalgado sem parar desde Jifna. Não cruzei com nenhuma patrulha romana, o que era um bom sinal: as más notícias provavelmente ainda não haviam se espalhado, e eu esperava estar fora da Samaria pelo fim do dia. Antes da entrada da cidade, parei para descansar e comer no acampamento de uma caravana de pequeno porte (cerca de 50 mulas), os quais se preparavam para seguir para Pela, na Decápole.

- E de onde vem? - Indagou o chefe da caravana, Avram ben Morel, curioso para saber o que eu, um sírio aparentando ser de boa família, fazia sem uma escolta naqueles ermos.

- De Alexandreion - menti, embora fosse uma cidade que eu conhecia bem, e usando o nome grego da mesma para que não parecesse ser um simpatizante dos romanos. - Preciso resolver assuntos urgentes em Samaria, daí a pressa.

- É bom mesmo se apressar, - aprovou Avram - porque no primeiro dia do Sucot vai estar tudo fechado.

- Sim, justamente por isso - assenti. - Faz tempo que não vou por aquelas bandas; mudou muita coisa, depois da morte do homem que chamavam de profeta nazareno?

Avram ergueu os sobrolhos.

- Fala de Jesus? Sim, parece ter conquistado muitos simpatizantes na cidade... e a sua morte provavelmente deve ter aumentado muito a antipatia que os samaritanos já sentiam pelo povo da Judeia.

- Sim, esse Jesus. Então acredita que ele pode ser um elemento de divisão entre os hebreus?

Avram cofiou a barba grisalha, antes de responder:

- Veja... eu não sou versado em religião, nem em política... mas pela minha vivência como chefe de caravana, ouso dizer que as pregações desse rabino faziam mais sentido para o povo do que as palavras vazias dos fariseus de Jerusalém.

Isso reforçava a ideia inicial que eu vendera para os meus patrocinadores, antes de lhes sugerir como ela poderia ser implementada com o meu concurso.

- E quanto a aceitação do domínio romano pelos samaritanos? Qual é a sua percepção... enquanto chefe de caravana?

Avram acatou a observação como um elogio, percebi logo pela sua expressão.

- Bem... os romanos vieram para pôr ordem na casa, já que sabemos como os asmoneus e os herodianos se odeiam. Depois de tanta briga, um pouco de sossego faz bem para os negócios. Eu, por exemplo, posso viajar com caravanas menores; sabemos que salteadores ainda existem, mas eles não se arriscam atacando grupos relativamente grandes... e sabem que, se forem pegos pelos romanos, a morte na cruz é o castigo.

- De fato - concordei. - Os romanos trouxeram estabilidade para a região.

O que ele não sabia, é que uma das consequências dos meus atos recentes seria trazer muitos mais romanos para a região. E não exatamente para fazer turismo.

* * *

Ao cair da noite, minha montaria descansada, quando a caravana desmontou o acampamento e preparava-se para continuar sua jornada para Pela, despedi-me de Avram ben Morel e parti em direção à Samaria. Antes de chegar à entrada de Siquém, contudo, peguei a estrada que ia para Citópole. Seria outra jornada noite a dentro, mas a perspectiva é de que eu chegasse à mais próxima das cidades da Decápole perto do amanhecer.

Por volta da segunda vigília, com a lua brilhando no céu, vi um grupo numeroso que deslocava-se pela estrada em minha direção. Pouco depois, os identifiquei como uma caravana, talvez um pouco maior do que a de Avram ben Morel. Igualmente, pareceram surpresos em ver um único cavaleiro passando por ali.

- Tenho pressa em voltar para casa - justifiquei-me sorrindo. - Como estão as coisas, mais à frente?

- Tudo calmo, de Citópole até aqui. E daqui para Samaria? - Indagou o líder da caravana.

- Sem problemas. Nem salteadores, nem romanos.

- Às vezes, é difícil diferenciar uns dos outros - comentou o homem, com uma piscadela.

Despedimo-nos cordialmente, e segui o meu caminho.

- [Continua]