Adeus às armas
Naturalmente, eu ainda não estava pronto para fazer a travessia para o Hades; tampouco o "curator" Fuscus, que ao sinal de perigo, batera em retirada acompanhado dos seus escravos dizendo que voltaria com reforços. Eu ia ter que improvisar.
- Eu trabalho para Yarom ben Oshner! - Alertei-os em aramaico. - Fui eu quem pus fogo nas estrebarias!
Os zelotas pararam de imediato, surpresos com a revelação, mas mantendo as espadas ainda desembainhadas.
- Podem ir olhar na tenda de Pilatos, já dei cabo dele também - continuei. - Agora, vocês têm que libertar Nessel ben Keter e Tavor ben Sapir, antes que os romanos se reorganizem e expulsem vocês daqui!
Declarar os nomes dos dois zelotas condenados que estavam sendo levados para execução em Jerusalém, teve um efeito imediato sobre os rebeldes. O sujeito que parecia ser o líder do grupo virou-se para os companheiros e declarou:
- Yarom me disse que tinha um espião entre os romanos; pelo que esse homem está dizendo, agora sabemos que é ele.
- Se ele é o espião, deve saber onde prenderam os nossos! - Exclamou outro.
De fato, eu tinha uma ideia do local: bem no centro do acampamento, uma área que provavelmente estaria repleta de soldados romanos. Seria no mínimo imprudente entrar ali, e justamente por isso eu não havia me comprometido com Yarom a cumprir essa tarefa extra. Pela qual, aliás, não estava sendo pago.
- Vocês vão ter que atrair a atenção dos legionários que ainda devem estar lá... um grupo os distrai, enquanto outro liberta os prisioneiros.
- E que tal se você fingisse estar perseguindo uns dois dos nossos? - Sugeriu o líder. - Você chamaria os sentinelas para se juntar a você, enquanto os demais soltam Nessel e Tavor.
Não era um plano ruim, tive que admitir. E, pelo menos não haviam proposto me usar como refém (o que, certamente não daria certo).
- Está bem. Mas não respondo pelo que possa acontecer com vocês se toparmos com um grupo grande de legionários - avisei.
- Estamos dispostos a correr o perigo - concluiu o líder.
Sem outra alternativa, prontifiquei-me a seguir o plano proposto; saí "perseguindo" dois zelotas no rumo do centro do acampamento, enquanto os demais me seguiam à uma distância prudente, escondendo-se atrás de uma barraca e outra para evitar confronto direto com os demais combatentes. Finalmente, avistei a carroça onde os prisioneiros estavam sendo mantidos, e minha aproximação ruidosa também despertou a atenção das duas sentinelas.
- Ei! Preciso de ajuda! - Exclamei para os soldados.
- Já temos dois para cuidar, cuide desses você mesmo - foi a resposta seca que recebi.
Bom, eu realmente não queria fazer aquilo, mas ainda tinha dois dardos. Só fiz engatilhar o "scorpio" e disparar duas vezes. Em seguida, fiz sinal para que os zelotas voltassem.
- Missão cumprida. Libertem esses dois e caiam fora daqui!
O líder zelota e seu grupo haviam acabado de chegar. Ficou satisfeito ao ver que a questão já estava resolvida.
- Bom trabalho, sírio; mas vão chegar mais zelotas, e talvez não tenha tempo de se identificar como fez conosco.
- Não precisa falar duas vezes - respondi, enquanto ia removendo as peças da couraça, e, novamente apenas de túnica e sandálias, o "scorpio" a tiracolo, corri para fora do acampamento o mais rápido que pude.
Da estrada, ainda pude ouvir o clamor da luta encarniçada, e ver que as chamas que subiam para o céu escuro davam conta de que o incêndio na estrebaria não fora controlado. Era hora de desaparecer dali e adotar uma nova identidade.
De volta ao cavalo que havia deixado no bosque, troquei minha túnica por um quíton grego, cobri-me com um manto de lã e montei, tomando o rumo norte. Eu pretendia colocar a maior distância possível daquela região conflagrada, antes que o dia amanhecesse.
- [Continua]