Conscrito
Como havia escrito Sófocles em "Filoctetes", "o céu nunca ajuda os homens que não agem". Eu nada esperava dos deuses, de bom ou de ruim, para o cumprimento da minha missão; mas certamente Yarom ben Osher estava disposto a se utilizar de qualquer tumulto por mim criado para avançar sua própria agenda, o que sequer era motivo de surpresa, exceto talvez pelo fato de que ele tivesse conseguido se manter de boca fechada sobre seus planos, durante todo o tempo em que privei da sua hospitalidade. Mas talvez Yarom tivesse sobre mim as mesmas desconfianças que eu tinha sobre ele: que se um de nós fosse capturado com vida e torturado, poderia delatar os planos do outro. O que constatei, após sair da tenda onde matara Pôncio Pilatos com um único disparo de dardo, é que a confusão havia se espalhado pelo acampamento romano: simplesmente a V Coorte estava sofrendo um ataque dos zelotas, que deveriam ter se ocultado nos bosques próximos esperando até que eu provocasse o incêndio na estrebaria e distraísse a atenção dos romanos.
- Muito inteligente... ou muito estúpido, Yarom - murmurei entredentes, antes de me esgueirar na direção contrária dos legionários que corriam para tentar deter os atacantes, a maioria ainda sem estarem vestidos com seus uniformes de proteção completos, o que os tornava em alvos mais fáceis para os enfurecidos zelotas.
- Ei, "scorpionarius"! Onde você pensa que vai?
Virei-me e diante de mim estava um centurião que pelas cicatrizes no rosto, deveria ter visto muita ação na frente de combate. O homem também devia ser um fenômeno de prontidão, pois já estava com armadura completa, escudo, e gládio desembainhado.
- Vou apanhar a minha armadura, senhor - respondi, calculando se daria tempo de lhe enfiar um dardo envenenado e fugir.
- Pois vá pegar com Fuscus, o "curator"! Se voltar para a sua barraca os zelotas podem te pegar no caminho - avisou ele, antes de correr para o ponto onde os atacantes estavam desbaratando os atarantados romanos.
Eu não tinha nenhuma intenção de procurar o responsável pelo fornecimento de armas, o "curator" citado, já que provavelmente teria que dar alguma informação ao responsável, que eu muito provavelmente não saberia como responder, mas o que não contava era que iria esbarrar com o próprio poucos metros adiante: dois escravos vinham empurrando um carro cheio de partes de armaduras, capacetes, armas e escudos, e um legionário de má catadura logo atrás deles, gritando em grego:
- Grígora! Grígora!
- Curator Fuscus? - Indaguei, apontando para ele.
- Eu - replicou me encarando com suspeição. - Você não é da V Coorte; conheço todo mundo por aqui.
- Eu estava no destacamento da cidade, aproveitei a companhia para ir até Jerusalém - respondi com firmeza.
- Fez bem - ele assentiu com a cabeça. E olhando para o meu "scorpio":
- Bela arma. Onde a comprou?
- Eu mesmo fiz, nas horas vagas - declarei. - Jifna é um lugar bem sossegado.
- Deve ser mesmo, para você poder se dedicar ao artesanato - avaliou com os sobrolhos erguidos, antes de gritar para os escravos:
- Dêem couraça, cinturão, capacete, escudo e um gládio para este homem!
E para mim:
- Seu nome, soldado?
- Baltasaros de Damasco, um seu criado.
- Arme-se e prepare-se para me seguir, Baltasaros! - Ordenou, num tom que não admitia réplica.
Tratei de obedecer, pois se contestasse, poderia me ver em sérios apuros: um grupo de legionários usando túnicas convergiam para nós em busca de armas, e qualquer gesto em falso poderia significar a minha morte. Acabei de me vestir, coloquei o precioso "scorpio" a tiracolo e aguardei as ordens de Fuscus. Ele ordenou que os escravos esvaziassem o carro e depois virou-se para mim:
- Vamos voltar para o "armamentário" e buscar outra carga. Você vai na frente, abrindo o caminho!
Gládio em punho, lá fui eu correndo na frente do carro, enquanto às minhas costas, Fuscus gritava para os escravos e para mim:
- Grígora! Grígora!
A tenda que servia de depósito de armas já estava à vista quando cerca de uma dúzia de zelotas pularam na minha frente, exclamando em aramaico:
- Vai morrer, romano!
- [Continua]