Um simpatizante da causa

Passei pelo acampamento romano na entrada de Jifna, e constatei que o prefeito estava acompanhado da V Coorte, cerca de 480 legionários; o destacamento iria fazer a segurança em Jerusalém durante o Sucot e anotei mentalmente as posições dos sentinelas no entorno. Eu teria que cumprir a minha missão de madrugada, quando a vigilância seria menor, mas não tinha nenhuma ilusão de que seria um trabalho fácil. Mesmo numa região considerada segura como aquela, a segurança no entorno da tenda do prefeito deveria ser reforçada. E ele, a propósito, ainda estava em Jifna administrando a justiça do imperador; provavelmente almoçaria com as autoridades locais e só voltaria ao acampamento ao entardecer, partindo no dia seguinte bem cedo para Jerusalém, onde provavelmente chegariam somente pelo crepúsculo, mesmo se deslocando a cavalo. As carroças carregadas com provisões e equipamento militar provavelmente retardariam a marcha.

Mais tarde em Jifna, localizei meu contato, Yarom ben Osher, que residia no setor dos comerciantes e era um simpatizante da causa zelota contra os invasores romanos. Yarom me disse que descansasse, pois teria que estar pronto para agir naquela noite.

- É uma oportunidade de ouro - ressaltou, enquanto ordenava à uma escrava fenícia que me preparasse um banho.

- Bem o sei - repliquei. - Mas quero saber se providenciou tudo o que lhe pedi.

- Sim, está tudo preparado para logo mais - assegurou-me. - Já separei o cavalo com o qual você irá até o bosque, próximo ao acampamento; a recomendação é que depois você siga em direção à Pereia, onde provavelmente ninguém espera que um fugitivo busque abrigo.

Yarom tinha lá suas razões para me dar aquele conselho, mas eu costumava me precaver quanto a possibilidade de que um dos meus contatos fosse capturado e torturado para revelar o meu paradeiro. Se Yarom me recomendava a Pereia, muito mais seguro seria ir para qualquer outra parte da Judeia. Talvez - e porque não - até mesmo para a capital romana, Cesareia Marítima.

- Certo - assenti. - E quanto a túnica?

Yarom mandou que a escrava trouxesse a vestimenta, para que eu a examinasse. Era uma túnica comum, de legionário, algo que eu precisaria para a execução do meu plano.

- Serve - avaliei, devolvendo a roupa para que fosse colocada junto aos meus pertences. - E quem vai cortar meu cabelo?

- Adonia, minha escrava - anunciou Yarom, o que era previsível.

A fenícia cortou meu cabelo à moda romana, escanhoou cuidadosamente meu rosto e depois me deu roupas limpas para que eu me vestisse após o banho. Finalmente refrescado, pude ir ao encontro do meu anfitrião, que me aguardava para o almoço.

- Como não é todo dia que tenho uma visita da sua importância, iremos comer carne - anunciou Yarom com orgulho. - Ah, e comprei vinho grego para comemorar a ocasião!

"A penúltima refeição do condenado", pensei. Mas resolvi não externar meu pensamento.

Durante o almoço, fui informado de que a cozinheira - outra escrava - chamava-se Domina, o que era realmente curioso, já que se tratava de um nome fenício e não romano como se poderia pensar a princípio.

- Seria realmente engraçado se fosse um nome romano - Yarom divertiu-se com meu comentário. - Mas essa "Domina" aqui, só manda na cozinha.

Parabenizei-o e à escrava pela excelência dos pratos e depois perguntei-lhe se tinha notícias das atividades de Pilatos em Jifna.

- Sim, condenou dois dos nossos à morte - replicou o comerciante, com uma expressão subitamente tornada dura. - Provavelmente, serão levados para execução em Jerusalém.

E me lançou um olhar de expectativa, como se esperasse que eu fosse me prontificar a fazer alguma coisa. Ergui as mãos.

- Yarom, você sabe que a minha missão já vai ser bem complicada, sem a tarefa adicional de libertar condenados à morte - resumi meus pensamentos.

Diante da expressão de decepção dele, acrescentei:

- Mas, posso ao menos tentar, não é? Quem são os prisioneiros?

- Nessel ben Keter e Tavor ben Sapir - informou-me, com ar de alívio. - Sim, eu sei que vai estar bastante ocupado naquele acampamento, mas eu te peço... se puder fazer alguma coisa por esses nossos irmãos...

Eu não me considerava irmão de nenhum zelota, ponderei. Mas era bom que Yarom continuasse a pensar que eu também era um simpatizante da causa.

- Farei tudo o que for possível - prometi solenemente.

- [Continua]