Na estrada para Jifna
Eu sabia que Pôncio Pilatos estaria indo para Jerusalém com suas tropas, para manter a ordem durante a realização do Sucot. Contudo, o itinerário que ele realizaria de Cesareia Marítima até lá, era mantido em segredo, visto que sempre havia a possibilidade de que algum grupo rebelde tentasse emboscar o prefeito da Judeia. Todavia, eu fizera a minha pesquisa e descobrira que antes de seguir para a capital da província, Pilatos faria uma parada em Jifna, para administrar a justiça do imperador romano. De lá até Jerusalém, havia apenas uma grande estrada, e ele provavelmente seguiria por ela para não atrasar a sua chegada antes do início dos festejos. Portanto, levando a minha preciosa carga providenciada por Chezi ben Arcadi, pus-me a caminho na madrugada, com a expectativa de que chegaria ao meu destino na manhã do dia seguinte, se andasse rápido.
- Você é jovem, vai conseguir - dissera o eremita à guisa de estímulo, despedindo-se de mim com um cordial tapinha nas costas.
E lá fui eu, tomando um atalho pelas montanhas e evitando as estradas principais que poderiam me levar a um encontro precoce com os romanos, bem como com salteadores - embora dificilmente alguém que me visse andando pelos ermos imaginaria que eu tivesse dinheiro escondido. Mais provavelmente, me tomariam por algum rebelde desgarrado, o que também não era exatamente uma garantia de segurança. E, caso alguém perguntasse, eu estava indo para a celebração do Sucot em Jerusalém.
- Jerusalém? Não tem erro, é só seguir em frente - Informou-me um pastor de cabras que encontrei à leste de Hircânia no fim da manhã, confirmando que eu estava na direção correta. Mas fiz uma correção de rota para o norte, mais adiante, pois não pretendia realmente me dirigir à antiga capital, e sim para Jifna, onde tentaria interceptar Pôncio Pilatos e sua escolta.
Pelo início da tarde cheguei até a estrada principal, que ia de Jericó à Jerusalém, parei para almoçar e fiz nova correção de curso. Agora, eu precisava seguir para nordeste, até chegar à estrada que saía de Jifna para a capital. Eu não esperava chegar à região antes do anoitecer, e teria que pernoitar ali, inclusive para verificar se estava adiantado ou atrasado em relação aos romanos, que já haviam saído há dias da costa, mas que precisavam fazer paradas demoradas pelo caminho, por conta das obrigações administrativas do prefeito.
Tive sorte. Num povoado às margens da estrada, encontrei um desses estabelecimentos construídos para atender viajantes, um "pandokeíon", como os chamavam os gregos. A proprietária era uma viúva samaritana de meia-idade, Mazali bat Nahor, que havia adaptado a própria casa como hospedaria, para ter uma fonte de subsistência.
- Vou logo avisando que não aceito peles de animais como pagamento - alertou-me, quando perguntei se ainda tinha camas vagas. - Também não temos prostitutas, nem servimos vinho sem mistura.
- Tudo bem, tenho dinheiro romano e só quero um lugar para comer e dormir - respondi em voz baixa, depois de olhar para todos os lados, analisando se alguém estava acompanhando a conversa. Geralmente, apenas estrangeiros frequentam tais lugares, mas embora a maioria dos frequentadores no salão parecesse ser de não-judeus, certamente alguns deles eram fluentes em hebraico...
- Então, está indo para o Sucot - avaliou a mulher, avaliando minhas roupas empoeiradas com uma olhada de cima a baixo.
- Pareço tanto assim ser um peregrino? - Indaguei, sorrindo com a eficácia do meu disfarce.
- E o que mais um rapaz jovem como você poderia estar fazendo nesta estrada, praticamente sem bagagem, à esta hora da noite? - Replicou ela com ar matreiro. - Procurando romanos para emboscar?
Tive que rir da sagacidade da observação.
- Certamente que eu não seria tão estúpido! - Redargui. - Mas, a propósito, espero não encontrar algum pelo caminho...
Mazali deu de ombros.
- Se está se referindo aos legionários, faz dias que não vejo nenhum. Às vezes, patrulhas passam por aqui, indo ou vindo de Jifna - comentou. - Mas, nos últimos tempos, as coisas têm andado calmas... não se sabe por quanto tempo, naturalmente.
- É bem verdade - assenti, com ar grave; então, nada de Pilatos e escolta. Se já houvessem passado, a anfitriã não deixaria de tê-los mencionado.
Paguei adiantado dois asses por uma cama no dormitório coletivo, um pelo banho, mais um pela refeição (basicamente, miqpá, pão seco, peixe salgado e água temperada com vinho); não era caro, considerando que aquele estabelecimento atendia principalmente estrangeiros. Pedi à anfitriã que me acordasse ao raiar do dia, caso eu perdesse a hora por estar cansado demais depois de passar o dia inteiro andando, mas nem foi preciso. Quando os primeiros raios do sol surgiram no horizonte, eu já estava de pé juntamente com meus companheiros de dormitório, que também tinham pressa em pegar a estrada, por um motivo ou outro.
Despedi-me da anfitriã, afirmando que passaria por ali na volta de Jerusalém, entrei pelo mato e tomei o rumo contrário, seguindo em direção à Jifna. Eu precisava ter uma ideia de quanto tempo teria que esperar até encontrar Pilatos e comitiva, mas a cerca de duas milhas romanas da segunda maior cidade da Judeia, consegui uma informação preciosa, por parte de um grupo de pastores que tangiam suas ovelhas pela estrada rumo à Jifna.
- Os legionários estão comprando ovelhas para abastecer a tropa antes de partir amanhã - informou-me o pastor que liderava o grupo. - Parece que estavam receosos de que todas fossem parar em Jerusalém por conta do Sucot!
- Quais legionários? - Questionei. - A guarnição da cidade?
- Não! A escolta do prefeito Pôncio Pilatos - afirmou com orgulho o pastor, como se fornecer carne para um ocupante estrangeiro fosse motivo de orgulho.
- Boas vendas! - Desejei-lhes sem muita ênfase, enquanto retomava meu caminho. Eu precisava chegar a Jifna, montar o "scorpio" que levava desmontado no meu bisaco de viajante, e aguardar pela noite.
Pôncio Pilatos estava prestes a ter um encontro com o destino.
- [Continua]