Ciúmes de você
Como eu queria que ele morresse! rogava Tomé em pensamento. Por trás das grades do quintal de casa, ele espreitava o casal de namorados que se beijava de forma intensa e apaixonada na sacada do edifício em frente. Desde que descobriu que sua nova vizinha, Ana Célia, tinha um namorado do interior que vinha passar todos os finais de semana na casa dela, a morte do adversário havia se tornado seu maior desejo.
A bela jovem de apenas dezesseis anos era alta e robusta, quem a visse diria que tinha uns dezenove anos. Seu namorado, Emílio, apesar dos dezessete, com barba na cara e o carro estiloso do pai, também tinha pinta de homem já feito. Quanto a Tom, coitado, estava com catorze anos e não passava de um menininho amarelo e mirrado, parecia até que nunca ia crescer. Por causa disso, uma tia sua o havia apelidado de garrinchinha.
Por vezes, Célia, que trabalhava no restaurante da mãe, bem próximo ao bairro, cruzava com o rapazinho quando ele saía para ir ao colégio. Metida! Nunca lhe havia dirigido a palavra. Ainda assim, Tom alimentava em segredo uma paixão que acabou se transformando em um grande pesadelo no dia em que ele se deu conta da existência de Emílio. Desde então, tudo que aquele moleque pequeno, metido a homem e com voz infantil, mais desejava era a morte de seu rival.
—Tom! Tom! — chamou-lhe uma voz insistente que vinha de dentro de seu quarto.
Despertou do transe, entrou em casa e voltou a jogar videogame com os amigos Fabinho e Berilo.
— Eita, esquece essa menina, rapaz! — diziam sempre seus dois companheiros.
De repente, os meninos ouviram um barulho seguido de um grito.
— Emílio! Emílio! Socorro! — A voz desesperada de Célia ecoou por toda a rua.
— O que foi isso!? — Perguntou Tom, assustado aos amigos.
Ao saírem pelo portão de casa, viram que uma multidão havia se formado em torno de Emílio.
— Ele não se mexe! Ele não se mexe! — gritava Célia, assustada.
Enquanto isso, um vizinho chamava uma ambulância e alertava às pessoas para que se afastassem. Entretanto, nada pôde ser feito, e Emílio morreu antes mesmo de sair do local. A causa da morte, segundo a perícia, foi um traumatismo craniano; o motivo foi acidental.
— A gente tava na sacada ele... se apoiou ali e... caiu. — explicou a moça à polícia.
Ana Célia morava com a mãe em um pequeno edifício de um excelente bairro da cidade. Em frente, numa casa com muros e grades, vivia Tomé, que, para ela, até então, era apenas um garoto tímido que não a cumprimentava. O jovenzinho aproveitou o enterro do namorado da moça para lhe dar os pêsames. A adolescente estava tão abalada que lhe deu um forte abraço.
— Obrigada Tom! — disse-lhe com a voz enrouquecida. O menino ficou todo satisfeito ao escutar seu nome daquela forma tão familiar, ainda mais daqueles lábios, que, para ele, eram perfeitos.
Pouco tempo depois, Célia passou a cumprimentá-lo sempre que o encontrava até que, certo dia, um começou a frequentar a casa do outro. Logo, um clima de romance surgiu entre eles e, em uma bela ocasião, Célia lhe roubou um beijo.
— Desculpe! — disse o rapaz, que estremeceu procurando evitar os olhos da moça.
— Você nunca beijou uma menina Tom?...
— Não... quer dizer... já — respondeu enquanto ela dava um leve sorriso incrédulo. A partir daí, os dois começaram a namorar...
Mas logo, Célia começou a se revelar: era ciumenta e possessiva. Tomava o celular do garoto e conferia todas suas mensagens; havia apagado e bloqueado todos os contatos de suas redes socias. Acompanhava-o até o colégio todo santo dia; havia se tornado um grude! Começou a implicar com todos os amigos e amigas de Tom; não queria sequer que Fabinho e Berilo fossem a casa dele jogar. Verena, colega de escola de Tom, havia se tornado o principal alvo de seus ciúmes. Que menina folgada! Mandando mensagenzinhas para o namorado dos outros!
Um dia, os dois estavam abraçados na varanda do edifício, tinham acabado de fazer as pazes após mais uma discussão. Foi Tom quem a convenceu a superar o trauma e voltar àquela parte do imóvel. Quando o celular dele vibrou, tudo recomeçou.
— Me dá aqui esse celular, Tomé! Me dá o celular, Tomé!
Quando Tom deu por si, já estava no chão, sentia uma extrema dificuldade em respirar e falar, então desmaiou.
— Meu Deus do céu! — gritou a mãe da jovem ao sair na varanda e perceber o que havia ocorrido.
Imediatamente, a mesma multidão que havia acompanhado a morte de Emílio reapareceu. O vizinho de Tom, que era médico, também se achava lá novamente, aconselhando a todos que se apartassem.
Assim que o adolescente acordou no hospital após uma cirurgia, sua mãe estava sentada numa cadeira a seu lado. Sua namorada e sua sogra também estavam ali, em pé, junto a ele. Célia se aproximou do namorado com um semblante aflito e ansioso.
— Onde eu tô!? — perguntou Tom.
— No hospital — disse-lhe uma enfermeira, também ali presente, enquanto regulava o soro.
— Você caiu Tom — completou Célia.
— Caí!?
— É.
—Eu não me lembro. Ai!
— Fique quieto! — asseverou a enfermeira.
— Sim, filho, você precisa de repouso — disse sua mãe.
— A gente tava na varanda e... você caiu. Você se escorou e... e... Eu disse pra você tomar cuidado! — concluiu Célia em lágrimas. Fim