O QUARTO DOS SEGREDOS
1.
Quem passa pela estrada do Monge ainda vê a pequena igreja, praticamente coberta por uma vegetação frondosa, limbos grudados nas paredes e uma cruz velha e descascada que ainda sobrevive como sinal de redenção.
Foi ali, na Província de Caveiras ao Norte do Estado do Paraná, que o padre Giovanno Darco celebrou as missas mais produtivas, descontraídas e abençoadas do lugar, teriam relatado os moradores da comunidade à época.
Mas, algo muito estranho e revelado a poucos (e que até hoje não se pode precisar), fez com que seu ministério fosse curto, embora sempre lembrado.
2.
Giovanno Darco possuía descendência italiana (de sua mãe) e francesa (de seu pai) e seus pais eram de uma família de extrema devoção católica, o que certamente influenciara o menino, à época, a terminar seu namoro com Catarina para seguir sua verdadeira vocação. E foi no seminário de Lunar (também ao norte do Paraná) que Giovanno seguiu seu sacerdócio religioso, cujos pais tinham certeza, era para isso que ele havia nascido (embora ele nem tanto) e, portanto, o incentivavam cada vez mais. Foi ali também, que Giovanno avistou pela primeira vez durante uma noite de sono, uma mulher de cabelos curtos vestida de armadura de guerra.
Era uma moça cuja face judiada ele não conseguiria descrever. Na verdade, ele nem dera muita importância, afinal, era apenas um sonho.
Mas, isso se repetiria estranhamente, por mais umas três ou quatro vezes antes que ele fosse ordenado e deixasse o seminário, o que o intrigou um pouco, mas ele logo esqueceu.
3.
Chegara enfim o grande dia e Giovanno foi então ordenado. Sua ordenação foi um grande evento na pequena Província de Caveiras e muitas pessoas, inclusive da região, foram convidadas.
Seus pais estavam radiantes (muito mais do que ele claro), com a ordenação do filho padre.
Enfim, Giovanno tinha “ouvido o chamado de Deus” e poderia, agora então, seguir sua missão.
Ele foi então designado para ficar ali mesmo, na paróquia da sua Cidade, na estrada do monge, já na que na Igreja Matriz, ninguém jamais substituiria o antigo reverendo Gregório que estava por lá há anos.
Ali, onde havia a pequena capela, tornou-se então o lugar da celebração de suas missas e o jovem padre Giovanno era uma “celebridade” por assim dizer, na pequena Província, procurado quase todos os dias pelos fiéis e amigos.
Uma noite de calor intenso, quando tentava pegar no sono na casa paroquial onde vivia, ele cochilou por alguns instantes e aquela mulher que teria visto (talvez em seus sonhos, talvez em sua frente) na época do seminário, voltou a surgir para ele. Parecia que ela queria dizer algo, quando acenava com as mãos e abria lentamente os lábios, mas Giovanno não ouvia som algum.
Ele acordou assustado, foi até a cozinha, tomou um copo de água fresca e pensara estar delirando.
O tempo passou mais um pouco e Giovanno iria então realizar um sonho, um sonho que possuía antes mesmo de entrar para o seminário: ele iria passar dois anos no Vaticano, onde realizaria um curso de aperfeiçoamento teológico e outros aprendizados.
Mas... a mulher de armaduras militares voltaria a aparecer. Dessa vez com mais frequência.
4.
Giovanno Darco, agora no Vaticano, tinha uma rotina cansativa, mais ao mesmo tempo feliz e produtiva: Pelas manhãs, aulas de diversos temas, à tarde seminários e à noite o merecido descanso (algumas vezes missas) e algumas horas de lazer comedido.
E foi logo após uma semana de sua estadia no Vaticano que a mulher de armaduras, cabelos curtos e uma expressão cansada e abatida voltou a aparecer.
Agora, isso se repetiria por sete noites seguidas.
Ela surgia, na madrugada em que Giovanno estava em sono profundo e às vezes aparecia quando o padre estava apenas cochilando logo ao se deitar.
Todas as noites em que Giovanno viu a mulher, ela lhe mostrou um quarto:
Um quarto pequeno, localizado em um local profundo; muito abaixo do solo, parecia um lugar escuro, sombrio e úmido. Lá havia diversas estantes com documentos antigos e livros e uma pequena cama com um lençol preto e um cobertor marrom desbotado.
Giovanno teve muito medo no início, mas no terceiro dia, quando ela ressurgiu, ele já não tinha mais medo e queria entender o mistério.
Aquela mulher misteriosa com roupa de centurião romano, gesticulava em desespero e abria os lábios do mesmo modo, mas Giovanno nada entendia.
Por qual razão aquela mulher estaria aparecendo a ele no seminário (poucas vezes), depois na paróquia (algumas vezes) e por fim agora, no Vaticano (frequentemente) e o que ela queria dizer? Teria ele algum acerto de contas com Deus, com o sobrenatural, com o além ou consigo mesmo?
Ele não sabia... Pensou inicialmente em conversar com o doutor Giusepp Santinni, historiador e especialista em simbologia de alto renome em Roma e que ali ministrava aulas, mas depois desistiu e decidiu que iria refletir e entender a mensagem.
5.
No quinto dia da aparição da mulher Giovanno avistou, além do quarto, uma escada que descia, descia muitos degraus e estava escondida bem atrás na parte externa da sala da Meridiana e após uma sala de estudos e pesquisas.
Agora o recado parecia mais claro e o Padre Giovanno iria procurar aquele lugar.
Ele andou por toda a extensão e diversos cômodos onde estava hospedado. Salas de estudos, bibliotecas, capelas, alojamentos, e muitos outros lugares.
Giovanno cansou e pensou estar delirando. Ele iria deixar essa “ideia fixa” de lado.
Mas, na sétima noite a mulher parecia ter transportado Giovanno para aquele pequeno aposento. Ele teria “entrado” no sonho e passado por cada lugar até chegar no local em que estava procurando. Ela ainda apontava com o dedo para o sol indicado ao padre que ele deveria estar lá durante o dia e não à noite; por fim ela apontou para a caixa “33” que estava em cima das estantes de livros e documentos antigos. Ela não mais apareceria ao padre depois dessa noite.
No dia seguinte, após tomar café da manhã Giovanno não foi às aulas e seguiu intrigado com suas visões e lembrando cada passo da caminhada que teria sido revelada e traçada naquela visão da noite anterior e ele então, após andar por muito tempo atravessar lugares insólitos e descer muitos degraus de uma escada que parecia infinita, chegou ao lugar.
Ele estava aturdido. Era tudo exatamente igual às visões que ele tinha desde o seminário. E ele então se perguntava: por que eu tinha que estar aqui? O que ela quer de mim? E por que teria que ser comigo?
Mesmo não encontrando respostas, ele viu que a porta do “quarto”, estava apenas encostada e com a chave ao lado de dentro. Embora fosse muito estranho, parecia que havia um morador naquele lugar.
O padre Giovanno, aturdido e com medo, apanhou a caixa “33” e sentou-se na pequena cama e os manuscritos que se encontravam dentro de um antiquíssimo livro de capa de couro rasgada e envelhecida, quase lhe causaram um desmaio. O quarto abaixo do subsolo guardava um segredo milenar.
Os manuscritos eram uma tradução do evangelho de Judas, retirado do “Códice Tchacos” escrito em pergaminho. A tradução já estava em Italiano, língua da qual Giovanno dominava. Além da tradução do evangelho de Judas, os manuscritos anexos, traziam uma revelação assustadora e que a igreja católica guardou a sete chaves naquele lugar sombrio e inimaginável: Eram relatos da Inquisição. A chamada “Santa Inquisição”, onde, durante sua atividade, pessoas foram torturadas, humilhadas, queimadas vivas e executadas sumariamente.
Os relatos contidos nos manuscritos traziam, de forma clara as informações que em escorço seguiam:
A igreja jamais revelara a verdadeira identidade do apóstolo Judas, o discípulo que mais compreendia os ensinamentos de Jesus e isso não poderia vir à tona jamais, pois Judas era considerado um traidor que fora direto para o inferno por seu ato diabólico de traição (segundo a poderosa igreja).
Porém, na verdade, os relatos dos manuscritos, continham outras informações sobre Judas. Uma delas teria sido escrita no ano 180 por Irineu, bispo de Lyon, influente padre da Igreja que atacou o Evangelho de Judas por retratar os últimos dias de Jesus do ponto de vista deste apóstolo. Nestas páginas, Judas é o favorito de Cristo.
O padre Giovanno, descobre também, que, denunciado como herético, o Evangelho de Judas desapareceu de cena. Tornou-se um dos manuscritos esquecidos da história. Mas, no final da década de 1970, depois de oculto por quase 1600 anos, este antigo texto surgiu das areias do Egito. Os relatos apontavam que o Evangelho retrata Judas como o discípulo mais próximo de Jesus e que cometeu o ato de traição a pedido do próprio Mestre. Este Evangelho transforma o ato de traição em um ato de obediência. “E Jesus disse para Judas: “Mas tu suplantarás a todos eles. Pois sacrificarás o homem que me veste” (Evangelho de Judas)”
A parte mais fantástica que chamaria a atenção e mudaria para sempre a vida do padre Giovanno dizia que:
Os chamados hereges que foram mortos, torturados, queimados e executados, durante a inquisição, eram na verdade pessoas de alto conhecimento, que seguiam os mesmos preceitos de Judas, ou seja, eles tinham o poder de compreender melhor os preceitos de Cristo e essa seria a verdadeira identidade e essência de Judas e por isso, quando essas pessoas, mais evoluídas, ensinavam ou faziam algum tipo de cura, utilizando-se de sua inteligência, elas eram sacrificadas. Na verdade, o padre Giovanno, aturdido, descobrira que a igreja, utilizou-se desse pretexto de matar aqueles que eram hereges segunda ela, porque eles não seguiam a sua fé católica, mas, na realidade, aquelas pessoas eram mais evoluídas e a exemplo do apóstolo não revelado (Judas), elas eram na verdade as que mais compreendiam os preceitos de Cristo e por isso foram mortas e silenciadas com atos de horror da “Santa Inquisição”. A igreja então, queria esconder seu real propósito, seu real segredo: eliminar todos os ensinamentos e preceitos de Judas que era de fato, o discípulo mais confidencial de Jesus e isso porquê, esse ensinamento não atendia à política e os interesses da igreja, sendo a inquisição, uma forma que a igreja inventou para aniquilar definitivamente com os seguidores daqueles preceitos, que não deixavam de ser cristãos, mas tinha uma fé mais evoluída, da qual a igreja jamais aceitaria.
6.
O padre Giovanno está em choque e ao sair daquele quarto ele é abordado por um senhor decrépito, arcado, com uma bengala na mão direita e com vestes de cardeal, de olhar cansado, um enorme crucifixo no peito e uma pequena tesoura de jardim.
Ele se assusta quando o velho solta um estridente grito:
— O que fazes aqui homem?! Ninguém jamais chegaria aqui embaixo a não ser pela ordem e direção dos supremos!
O padre Giovanno engasgou, engoliu em seco e respondeu:
—Eu também não sei meu Ilustre Sacerdote, é uma história que o senhor jamais acreditaria-disse ele tentando esconder aquele “dossiê” embaixo do braço.
Giovanno então, contara suas revelações ao velho cardeal que, levando as duas mãos no rosto cansado e combalido respondeu:
— Eu acredito em você.
— O senhor acredita-replicou ele atormentado.
— Sim meu filho.
— E o senhor o que faz aqui embaixo?
— Meu nome é Agnelo e sou o guardião e único morador desse quarto dos segredos e você atingiu o inimaginável para mim: descobriu a verdadeira identidade da Santa Inquisição, escondida há anos pela nossa ordem católica que vendera outra ideia ao longo de todos esses séculos.
— E é por isso que o senhor acredita em mim?
— Não.
— Então por favor me fale!
— Essa mulher também tem aparecido a mim nas mesmas épocas em que você me relatou. Ela quer algo de nós e você chegou aqui, onde jamais qualquer outro mortal, que não seja da nossa ordem conseguira pisar por algum propósito e não foi à toa. Eu já sabia disso ela também me avisou.
— Então por favor Padre Agnelo, o que devo fazer? O que ela quer de mim?
O velho cardeal Agnelo, ordenou que Giovanno subisse sem revelar a identidade dele a quem quer que fosse e muito menos que ele havia chegado até lá e ordenando que Giovanno voltasse naquela mesma noite após a uma hora da madrugada.
E então, quando Giovanno retornou naquela madrugada, o velho padre lhe ofereceu um chá, pôs-se em um banco ao lado da cama (onde Giovanno estava sentado) e lhe disse:
“Padre Giovanno Darco, você foi escolhido por ela para vir aqui e descobrir a grande verdade sobre a inquisição. Eu sei que corro risco de morrer, mas eu já esperava por você. Você certamente a libertará de verdade e enfim ela será realmente, e de fato uma santa, pois essa verdade não mais a perturbará. Você é da linhagem sanguínea da mulher que tem aparecido a anos a você meu filho. Ela era verdadeiramente seguidora dos preceitos de Judas e tanto ele como ela, morreram como mártires e do mesmo modo que Jesus Cristo, do mesmo modo, em um tipo de inquisição da Santa Igreja, tendo ambos a mesma morte do salvador e na verdade, a inquisição era um modo que a igreja (contra os preceitos de Cristo), inventou para combater aqueles seguidores do evangelho de Judas que era na verdade o discípulo que mais compreendera o mestre. Essa mulher, Padre Giovanno, da sua linhagem, tinha a verdadeira essência do cristianismo, ela começou bem foi considerada heroína por seu povo, mas logo que a igreja descobriu sua doutrina que era a mesma do apóstolo não revelado, ela foi morta na inquisição. Ela o escolheu para revelar essa verdade meu filho. Essa mulher é Joana d'Arc e seu nome Giovanno Darco não é à toa!”.
O padre Giovanno estava pálido, sem expressão e aturdido, e em absoluto segredo voltara ao Brasil logo em seguida.
Ninguém nunca soube de fato, explicar até hoje, mas, dez dias após seu retorno à Província de Caveiras, o Padre Giovanno morreu. Alguns diziam que foi um infarto, outros afirmaram que era um tipo de tuberculose. Coincidência ou não, o velho padre Agnelo também fora sepultado no Vaticano naqueles mesmos dias.
Os pais de Giovanno moraram até a morte em Roma, em um local onde todas as suas despesas foram custeadas pelo Vaticano.