À Deriva
O silêncio que reina em alto-mar é diferente de qualquer outro. Não é o tipo de silêncio que traz paz; é um vazio que amplifica o peso de cada pensamento. Dois dias antes, quando abandonei o cais, era tudo o que eu queria. Fugir do barulho da vida, dos problemas que se acumulavam como marés sempre subindo, da sensação constante de que eu estava sempre me afogando – mesmo em terra firme.
No entanto, o que parecia uma solução se tornou uma sentença. Agora, em meio à imensidão azul que se confunde com o céu, percebo que não há para onde correr. O motor parou, o rádio está morto, e a água do mar, que antes era um convite à liberdade, agora é uma ameaça fria e implacável.
A tempestade começa a se formar no horizonte, um espetáculo aterrorizante de nuvens negras e raios que cortam o céu como lâminas. O vento aumenta, cortante, e a cada instante me sinto mais pequeno, mais insignificante. O barco range, balança, como se fosse um animal ferido tentando resistir ao inevitável.
E então, como qualquer ser humano perdido no desespero, começo a procurar culpados. Culpo o motor, o fabricante do barco, o rádio que não funciona. Culpo o mar por ser tão vasto, o céu por ser tão vazio, e Deus por não estar aqui. Mas, acima de tudo, culpo a mim mesmo. Culpo-me por cada decisão que me trouxe até aqui.
É engraçado como, quando nos vemos à beira do fim, todas as máscaras caem. Toda a coragem que exibi ao partir, todo o orgulho que me fez acreditar que poderia enfrentar o mundo, se dissolvem como espuma nas ondas. O ser humano tem esse dom peculiar de sempre esperar o pior – e, ironicamente, de sempre ser surpreendido quando ele chega.
A tempestade está mais próxima agora. As ondas se tornam muralhas líquidas, erguendo-me aos céus apenas para me jogar de volta à profundidade. O barco range, inclina, luta contra as forças que não pode vencer. Tento girar o botão do rádio uma última vez, mas é inútil. Uma risada amarga escapa dos meus lábios. Que ironia: um homem que quis escapar de tudo, agora grita por ajuda que não virá.
No meio do caos, um pensamento me atinge com a força de um relâmpago: é isso o que somos, não é? Sempre à deriva, sempre lutando contra uma tempestade que sabemos que não podemos vencer. Vivemos esperando explicações que nunca chegam, procurando por sinais que não existem. Somos pessimistas por natureza, incapazes de acreditar que as coisas possam melhorar, mas teimosos demais para desistir.
O barco aderna, e a água começa a invadir o convés. Cada gota é um lembrete cruel de que o tempo está acabando. E, ainda assim, há um momento de clareza. Não importa o quanto eu lute, o final é o mesmo para todos nós. A única diferença é como escolhemos encarar o fim.
Fecho os olhos e sinto o vento no rosto, a chuva misturando-se às lágrimas que não consigo conter. Não sei se é medo, arrependimento ou apenas a aceitação de algo que sempre esteve fora do meu controle.
Quando o barco finalmente cede e sou engolido pela escuridão do mar, há uma estranha paz. Porque, no fundo, somos todos náufragos, tentando navegar por uma existência que nunca prometeu ser justa.
E, por mais assustador que seja, talvez seja isso que nos torna humanos: o fato de continuarmos a lutar, mesmo quando sabemos que estamos à deriva.