Passos na areia do esquecimento

Cena:

Caminhava, fora de mim como um espectador, em meus próprios olhos. Era uma praia de areia fina com um sol pálido, se escondendo atrás de nuvens cinzas, em algumas partes há gramas altas, ventava, chovia e no alto, grandes fragatas negras cantavam enquanto rasgavam os céus, sabia que não estava "neste" plano terrestre, no entanto, não tinha exata consciência da onde seria aquele lugar. Solidão. Medo. Precisava andar. Completamente só. Não havia outra pessoa. Deixei de procurar. Pressentia. O que pressentia? Talvez, que estivesse morto! Só. Atravessava aquela praia de areia fina e arbustos. Intuía que havia causado muitos estragos, que havia deixado muitas coisas para trás, coisas inacabadas. De repente, um vazio, uma agonia, uma dor que me prendia ao mundo da matéria, ao meu passado, à terra, à minha existência. Preciso seguir adiante faça chuva ou sol, digo para mim mesmo. Dar o próximo passo, nada depende de mim, tudo depende de mim. A solidão despenca cada vez mais forte sobre mim, até desabar por completo. Pesadamente, choro. Um nó na garganta, preciso continuar sozinho e ir em frente, a cada passo, meus pés afundam na areia branca da praia. Tento pensar. Tento me lembrar quem sou eu. Por que estou ali? O que estou deixando para trás? Alguém espera por mim? Tem algo que eu deva fazer? Algo que se foi e que nunca mais será visto? Continuo andando, triste, pesaroso, contrito. Uma dor no peito e na cabeça. Uma imagem se acende brevemente tal qual uma centelha em minha mente embotada. Sigo caminhando apertando as mãos contra o peito.

Olho para trás, ao longe observo um vulto esguio e baixo que me segue, vem em minha direção. Não o espero. Continuo andando sem rumo, adiante apenas, os pés sulcando a areia, uma dor forte no peito e na cabeça. O pequeno vulto se aproxima, reconheço aquela forma desengonçada de andar e o rabo abanando. Era o meu cachorro. Como sabia ser meu? Dentro de mim uma sensação de que ele nunca vai deixar de me seguir. Estamos ligados. Reprovo-o, faço sinais com as mãos para que volte e me deixe. O vento e a chuva estão mais fortes. Me canso. Ando devagar, quase me arrastando, o cachorro agora anda ao meu lado, observá-lo me faz sentir bem, amaina a solidão. Seus olhinhos fixos em mim, leais, amorosos, não esperam nada em troca. Apenas anda ao meu lado, me acompanhando. Reparo que ele está sangrando, grossas gotas de sangue caem e vão pintando de vermelho a areia da praia. A dor no peito e na cabeça aumenta, tento me lembrar. Centelhas de memória ganham forma. Suplico, quero entender! Continuo andando cada vez mais triste e dolorido. As imagens em minha mente se tornam terrivelmente claras. Lentamente compreendo o que fizera antes de estar ali, naquela infinita praia deserta, atingira-o com um tiro de pistola e depois à mim, então, as fragatas cantam pela última vez, meus olhos não aguentam o peso das lágrimas e caem na areia...

Homem de preto
Enviado por Homem de preto em 23/11/2024
Reeditado em 28/11/2024
Código do texto: T8203293
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