Uma refeição

- Mãe, por que está tanto frio? —me pergunta Javier, sua vozinha mal sussurra. Meus braços os envolvem, e ainda assim sei que não é suficiente. Sua pele, tão frágil, está gelada contra a minha.

— É só o inverno, meu amor. Logo passará, — digo-lhe, sentindo a mentira em cada palavra. Não tenho forças para buscar conforto na verdade, não quando a fome e o frio nos cercaram. E embora tente manter a calma, estou consumido pelo desespero de não poder protegê-los.

Hoje procurei no campo algo que os alimente, algo que os mantenha vivos mais um dia, mas a neve enterrou tudo. Minhas mãos vazias são o reflexo da minha impotência, e meu peito parece oco, como se o frio tivesse cavado um vazio em mim.

- Vais contar-nos outra história, mãe? —me pede Ximena, sua voz apenas um eco, quase um pedido.

Bebida com dificuldade e assento. Se esta vai ser a última coisa que vão ouvir de mim, será uma linda história, uma que podem levar para onde quer que vão.

- Claro, pequena. Vou contar-lhes sobre um lugar onde não existe fome nem frio, — sussurro, e eles se acomodam ao meu lado, com esses olhinhos acesos que me rasgam. Aqueles olhos que ainda confiam em mim.

- A sério, mãe? —me pergunta Javier, e eu sinto sua respiração fraca no meu pescoço.

Eu assento, com um sorriso desmoronando enquanto eu falo.

- Sim, meus amores. Nesse lugar, o sol brilha todos os dias, e o vento é suave, como uma carícia. As árvores estão cheias de frutos doces, e há rios de leite e mel que nunca acabam. Ninguém sofre lá, ninguém tem que se preocupar com frio ou fome. É um lugar de paz e alegria.

Paro, olhando suas carinhas, tentando gravar cada detalhe na minha mente: a maneira como Ximena encosta a cabeça no meu ombro, como Javier luta contra o sono, resistindo, como se soubesse que é nossa última noite.

- Como chegamos lá, mãe? —me pergunta Javier, e sua voz é apenas um sussurro.

Abraço-os com mais força, desejando que este calor, meu amor, minha vida inteira, seja o suficiente para protegê-los.

— Apenas feche os olhos, — murmuro, e beijo suas frentes geladas. Feche os olhos e sonhe. Eu estarei com vocês.

Meus olhos se enchem de lágrimas, mas eu sorrio. Enquanto eles ouvem com olhos brilhantes, eu tomo uma decisão.

Assim que eles adormecem, eu me levanto com cuidado e me aproximo do fogo quase apagado. Pego numa faca//pa e, respirando fundo, fecho os olhos para não pensar na dor que virá. Eu sei que só tenho essa última coisa para dar a vocês, e embora eu tenha dificuldade em me mexer e mal suportar a dor, eu consigo cortar a c4rn3 da perna e colocá-la na panela. O cheiro enche a cabana, e nos seus sonhos, eles começam a cheirar, a murmurar com esperança.

Quando eles acordam, eu coloco os pedaços cozidos na frente deles, mantendo-me em silêncio.

- Comam, meus amores. Alguém respondeu às nossas orações, — digo-lhes, sorrindo mesmo que a dor me atravesse até os hu3s0s.

***

Dias depois, um vizinho da cidade encontra a cabana. Empurra a porta congelada, e ao abri-la, o seu olhar encontra as duas crianças, ainda enroladas junto aos restos do fogo, com os rostos pálidos, mas vivos. Entre eles, meu corpo está sem vida, mas com uma expressão de paz no rosto. O homem pega-os nos braços, sussurra orações e cobre-os com o casaco, levando-os para a cidade enquanto eles ainda balbuciam sobre o calor da mamãe e as histórias de um lugar sem sofrimento.

E embora eu não esteja mais aqui para vê-los crescer, sei que meu amor vive neles, mais forte que a fome, mais eterno que o frio....

Kathy Nyedja
Enviado por Kathy Nyedja em 22/11/2024
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