O paciente

Certo dia, enquanto aguardava a chegada de um novo paciente, adentrou ao consultório do Dr. Lima um rapaz tímido de olhar vago e semblante neutro. A sala ficava no final de um corredor onde havia outros consultórios da clínica em que ele atendia. O jovem aparentava ter uns 20 anos, não mais que isso, e estava bem vestido.

— O senhor pode me atender? perguntou o rapaz ligeiramente aflito.

— Sinto muito, filho. Você marcou hora? — disse o médico sem se levantar de sua cadeira.

O jovem balançou a cabeça em negativa.

— Creio que no momento não será possível. Aguardo a chegada de outro paciente. Mas você poderá agendar um horário com a Elai…

Antes que ele pudesse terminar, o rapaz saiu da sala sem nada dizer. Dr. Lima olhou a cena e deu de ombros. Pobre jovem. Parecia bem apreensivo.

— Elaine! — chamou o psiquiatra pelo telefone. — Não permita que pacientes adentrem à sala sem horário marcado, por favor!

— Sim, Dr. Lima.

Dois dias se passaram e após atender o último paciente, o médico dispensou a secretária. Queria analisar alguns casos e fazer alguns pareceres. Mal havia começado seu trabalho e bateram à porta. Dr. Lima se levantou, pronto pra perguntar à secretária se ela havia esquecido algo, quando viu, parado a sua frente, o mesmo rapaz. Desta vez parecia ainda mais agitado, como alguém que estivesse pedindo socorro com olhar.

— Me ajuda, por favor!

Antes que ele pudesse dizer algo o rapaz entrou no consultório e foi logo sentando no sofá da ampla sala.

Àquela hora não havia mais ninguém na clínica. Vendo que não poderia simplesmente pedir ao moço para sair, visto que ele parecia visivelmente alterado, o médico procurou manter uma distância segura tentando acalmá-lo, enquanto pegava um copo d’água para ele.

— Então…, me diga qual é o seu nome e o como posso te ajudar? — disse colocando o copo sobre a mesa.

— Felipe. Eu preciso da sua ajuda porque acho que estou... ficando louco.

— Fique calmo e me fale um pouco de você. Onde você mora e o que você faz?

Enquanto falava, o jovem tremia e lágrimas caíam pelo seu rosto.

— Eu sou estudante do primeiro ano do curso de administração na Federal daqui. Eu morava com meus pais, mas me mudei para o alojamento do Campus. Meu pai, quando voltava pra nossa cidade, sofreu um grave acidente na BR 040 e faleceu no local. Acho que estou enlouquecendo porque eu o vejo em toda parte. Sinto muito a falta dele.

Dr. Lima, comovido, tentou acalmá-lo.

— Eu sinto muito pela sua perda. Toda esta situação realmente pode mexer com a nossa mente.

Neste momento, Felipe olhou pra o médico convicto.

— Ele fala comigo, diz que precisa de mim e quer que eu vá com ele. Não tenho paz. Não consigo mais assistir às aulas. Quando eu o vejo tenho medo e pessoas me olham espantadas e se afastam. Eu não quero vê-lo, mas não consigo evitar. De dia ou de noite ele está em toda parte. O que eu faço, Dr.? Eu estou ficando louco? Quero acabar com isso. Me ajude, por favor!

Dr. Lima já havia lidado com casos como aquele. Na verdade, era o que mais acontecia. Pessoas que passavam por perdas bruscas tinham dificuldade de aceitar os fatos. Como um profissional da psique, sabia que nada era mais misterioso do que a mente humana, capaz de produzir situações inimagináveis quando submetida a traumas profundos. Provavelmente o estresse vivido pela perda do pai causara naquele pobre jovem todo aquele desequilíbrio mental.

— Ele está aqui agora. Ali! — disse o jovem apontando para um canto da sala.

Estranhamente o Dr. Lima sentiu um arrepio pelo corpo e um frio inexplicável tomou conta da sala.

— Ele me diz para ouvir o senhor. Só o senhor pode me libertar deste pesadelo.

Ignorando os sinais e com muito cuidado, o médico buscou as palavras certas para abordar o caso. Certificou- se de que o menino não fazia uso de álcool, drogas ou outros medicamentos antes de se convencer de que tudo aquilo estava relacionado à perda do pai.

— Calma. Vou te passar um calmante para que você possa relaxar e dormir esta noite.

— Você acha que eu estou louco, não é?

— Não vamos pensar nisso agora. Você está passando por uma fase difícil. É compreensível. Mas reflita sobre tudo o que aconteceu e lembre-se de que a verdade está dentro de você. Adormecida. Precisamos cuidar de você, certo. Vá pra casa e amanhã às 8h nos veremos. Tudo bem?

O rapaz não disse nada, levantou-se e saiu da sala deixando o remédio sobre a mesa. Dr. Lima, sem saber o que mais poderia fazer, ficou ali parado. Enquanto o estudante percorria o longo corredor, uma sombra o acompanhava, mas o psiquiatra não percebeu.

No dia seguinte, ele desmarcou a primeira sessão e aguardou o jovem, que não apareceu. Dois dias se passaram e ele não voltou. Uma semana depois, preocupado, visto que o rapaz apresentou sinais de possível autoextermínio, Dr. Lima decidiu ir até a Universidade para tentar obter algum contato sobre o calouro do curso de administração daquele ano. Como médico, não seria difícil conseguir o que queria.

— Aguarde um momento que o Sr. Gonçalves, coordenador do curso, falará com o senhor. — disse a secretária.

Pouco tempo depois, o coordenador o recebeu.

— Como vai Dr. Lima. Como posso ajudá-lo?

Boa tarde, eu sou o psiquiatra do aluno Felipe e queria saber como posso encontrá-lo. Ele não compareceu às nossas sessões. Preciso muito falar com ele.

— Bom, Dr., sinto muito em lhe informar que o aluno Felipe faleceu.

Neste instante, Dr. Lima sentiu um nó na garganta. O remorso apossou-se dele, uma vez que teve a chance de evitar aquela situação. Comovido, ele respirou fundo e disse.

— Meu Deus! Não sei o que dizer. Ele me procurou na segunda-feira da semana passada buscando ajuda. Parecia muito perturbado. Tentei acalmá-lo e combinamos de continuar no dia seguinte. Mas ele não retornou. Como isso aconteceu? Ele foi encontrado no alojamento?

— Não estou entendendo — disse Sr. Gonçalves. — Acho que não estamos falando da mesma pessoa.

Neste momento o coordenador pegou uma foto dos calouros daquele ano, apontou para um aluno e mostrou ao Dr. Lima.

— Isso é impossível — disse o médico.

—Felipe foi uma das vítimas de um acidente há cerca de dois meses, quando voltava pra casa de férias com o pai. Infelizmente não houve sobreviventes.