É ELA!
Primeira vista
Era um dia comum, um final de tarde caloroso. Toda a cidade com a sua rotina de praxe, gente voltando do trabalho com um semblante suado e cansado, mas com alívio de poder voltar para casa. O estudante que negligenciou a aula junto da namorada, carros, caminhões e motos, um mundo cinza normal. Gérson era uma dessas pessoas que pega o ônibus toda manhã e toda tarde.
Em pé e resistindo ao cansaço vinha no esfrega-esfrega do itinerário 1203. Aos olhos dos passageiros, aquele homem era mais um pai de família sofrido em busca do pão de cada dia e podia ser visto todos os dias úteis da semana nesta mesma rota.
一 Boa tarde moço, que horas são?
一 Boa tarde, são dezessete horas e trinta e seis minutos.
一 Obrigada!
一 De nada!
Gérson ficou a observar aquela linda mulher que havia lhe perguntado a hora. Era uma jovem mãe solteira de seios fartos, corpo esbelto e um sorriso encantador. Tinha a fisionomia e os trejeitos que ele amava. Por um instante ele sentiu um grande prazer.
一 Desculpa, percebi que você não está confortável aí. Quer trocar de lugar comigo?Não fará tanta diferença, mas pelo menos não terá nenhum marmanjo atrás de você querendo tirar proveito.
一 Ah! Quanta gentileza, moço. Obrigada!
一 Meu nome é Gérson.
一 E eu sou a Elane.
Por um instante a mulher examinou a atitude e também aquele homem gentil. Barba feita, na casa dos 40 anos, cheiroso, inteligente, uma voz suave, um cidadão de bem. Talvez pudesse ser um bom padrasto para o filho já que pela vestimenta parecia ter uma função importante em alguma empresa do ramo industrial.
一 Então Gérson, você mora onde?Tem filhos, é casado?Ai meu Deus, que perguntas estas. Desculpa, só responda se quiser. Eu sou separada, solteira como dizem né?Tenho um filho de onze anos.
一 Não. Eu sou solteiro. Sem filhos, moro só. É uma vida sem graça não ter uma boa companhia.
Aquela conversa para ele era uma maravilha, estava diante dela! Além da fisionomia a voz era doce aos seus ouvidos. Para ele não era apenas uma coincidência e sim destino. Então ele pensou e gritou dentro da sua cabeça:
一 É ela!
一 Interessante. A gente pode se conhecer melhor. Sei lá, marcar um jantar.
一 Sim, o que nos impede não é mesmo?
Encontro
Fazia uma linda noite e tinha tudo para ser romântica, as luzes amarelas lembravam as velas e Elane era como a sua amada, para ele era ela. A alegre hora do beijo, a turva hora da paixão. Ali ficaram enamorados com o amor líquido. Ele via nos seus olhos os mesmo da sua bem-amada, brilhavam tanto quanto estrelas longínquas.
Depois do jantar e algumas taças de vinho foram para a casa na alameda, era ali no 102 que ele habitava. A mulher ficou admirada com tamanha organização dele, o que não era típico dos homens que ela havia se relacionado antes. Logo viu ser um homem culto, havia dezenas de livros numa prateleira no quarto. Se sentiu bem estando ali com um cavalheiro.
一 Fique à vontade, vou aqui pegar uma coisinha para você 一 disse ele.
Gérson entrou pela porta e girou a chave na fechadura. Tinha em uma das suas mãos uma pequena bolsa. A mulher ficou examinando aquela cena de forma curiosa.
一 O que é isso?
一 O nosso álbum de fotos! Sente-se vamos ver.
Ele estava em êxtase naquele momento e ela em pânico.
一 Como assim?
一 Nossas fotos amor, olha como você está linda nesta.
一 Esta não sou eu! Você está bem?Você é maluco?
Mesmo assim pegou o fotolivro e começou a folheá-lo. Por consequência pôde perceber que no meio de tantas fotografias havia uma que lhe era familiar: Dalva, uma colega desaparecida há meses. O medo tomou conta do seu ser e todo o seu corpo paralisou por uns segundos com uma sensação gélida na alma.
一 Estas fotos não são minha. Você deve estar muito enganado! Preciso ir embora agora.
一 É claro que é você… sempre foi você, amor.
Tendo então a certeza de que aquele homem não era normal, Elane preparou-se para gritar, porém, não teve chance nenhuma porque antes das cordas vocais proferirem um berro a faca de 25 centímetros cortou-lhe a garganta fazendo jorrar um mini chafariz de sangue sobre o chão do quarto. Ele assistiu à cena como quem estivesse vendo algo prazeroso, sorriu e, ao mesmo tempo, seus olhos encheram-se de lágrimas, impreciso saber se era de alegria ou de desespero.
Volta à rotina
Era uma manhã fria e ele já havia dado uma faxina em toda a casa. Já estava banhado e pronto para mais um dia de trabalho. O mesmo uniforme, o mesmo perfume amadeirado feito de sândalo que o machado feriu. Despediu-se da rua da alameda e foi para o ponto de ônibus, o itinerário 1203 estava a chegar. A sua
fisionomia estava diferente, tinha um olhar à procura de algo. Entretanto, tudo mudou quando ele adentrou o transporte coletivo. Abriu um grande sorriso quando avistou uma linda jovem elegante e simpática.
一 Bom dia! 一 disse a moça.
一 Bom dia, senhorita! Posso sentar ao teu lado?
一 Sim, fique à vontade.
Gérson ficou a admirar aquela beleza estonteante de mulher, ele sabia que encontraria. Talvez Elane não fosse realmente quem pensou. Mas aquela sim, e gritou feliz na sua mente:
一 É ela! É ela!