O Último Pescador
Joaquim estava no interior, trabalhando como topógrafo em um vilarejo esquecido, à margem de um rio imenso. Era uma cidade quase fantasma, com menos de cinquenta habitantes, onde o silêncio era interrompido apenas pelo chamado melancólico de uma ave distante. Havia poucos carros, raramente vistos, e o som das águas corria lento e monótono. Joaquim havia sido designado para preparar o terreno onde seria construído o novo cemitério da cidade, um lugar que, de tão vazio, já parecia morto.
Seu único passatempo era pescar no píer velho, um pedaço de madeira que rangia sob seus pés, estendendo-se sobre as águas escuras. Ali, ele tentava se distrair, longe da solidão opressora daquele vilarejo. Naquela tarde, o sol já se escondia, pintando o céu de tons alaranjados, quando viu algo no horizonte. Uma canoa solitária descia o rio, balançando suavemente. Havia um único remador, um homem forte e calado, que parou muito antes de chegar perto de Joaquim. Ele desceu da canoa sem dizer palavra e desapareceu entre as árvores.
Joaquim tentou ignorar, mas o clima estava estranho, pesado. Algo parecia se mover no ar, como se o vento tivesse vida própria. O tempo passou, e ele continuou com sua linha d'água, sem peixe algum. Foi então que um barulho cortou o silêncio – um som que não pertencia ao rio. Um farfalhar, seguido de um ranger abafado. Joaquim prendeu a linha no píer e foi até a estrada. O que viu o fez congelar.
Na sombra da noite que se aproximava, algo enorme vinha em sua direção. Era uma criatura, uma silhueta monstruosa e irregular, maior do que qualquer coisa que ele já tivesse visto. Seus olhos fixaram-se naquele ser, até que, de repente, a criatura colapsou em si mesma, transformando-se em uma cascata de ossos que caíam pela rua, vindo em sua direção. Joaquim correu como nunca antes, a visão daqueles ossos caindo como uma avalanche o perseguindo enquanto ele atravessava a estrada poeirenta rumo à pousada.
Chegou arfando, o coração disparado. A dona da pousada, uma senhora de fala mansa e olhos vividos, o olhou curiosa, mas acostumada com as manias dos poucos visitantes.
— Que susto é esse, moço? Parece que viu alma penada! — disse ela, rindo enquanto mexia em uma panela. — Toma um banho e vem comer, tem sopa no fogão.
Ainda atordoado, Joaquim foi para o chuveiro. A água morna o acalmou, e ele começou a se convencer de que tudo não passava de imaginação, talvez pelo cansaço ou o isolamento. Mas, assim que saiu do banho, lembrou-se da linha de pesca, que havia deixado amarrada no píer. O pensamento o incomodou a ponto de ele vestir-se rapidamente e voltar ao rio.
Ao chegar lá, com uma lanterna, viu que a linha estava esticada. Alguma coisa havia mordido a isca. Talvez um peixe grande. No entanto, ao puxar a linha, algo estava errado. A resistência não era a de um peixe lutando, mas um peso morto, arrastado. Ao emergir da água, o que viu o fez perder o fôlego: preso ao anzol, vinha um osso humano – um fêmur, pálido e antigo.
O horror tomou conta de Joaquim. Jogou a linha e o osso de volta na água, correu sem olhar para trás, mas desta vez, com mais calma ao chegar à pousada. Não queria parecer louco de novo.
Já era tarde, e ele ainda tremia quando entrou na cozinha. O cheiro da sopa era reconfortante, um sinal de que a vida normal ainda existia. Pegou uma concha e levantou a tampa da panela. Mas o que viu dentro o fez recuar. Ossos, dezenas deles, surgiam entre a fumaça, movendo-se, rangendo e crescendo, como se quisessem sair da panela. Caíam no chão, cada vez mais próximos de seus pés.
Ele piscou, e estava na rodoviária.
O roupão molhado grudava no corpo, e o motorista do ônibus o olhava, confuso, enquanto ele tentava explicar por que precisava embarcar naquele estado. As palavras saíam desconexas, assim como sua mente, e, em algum ponto, ele começou a duvidar se tudo aquilo havia realmente acontecido ou se era apenas o efeito da solidão daquele vilarejo amaldiçoado.