O Espírito e a bússola
“Quando alguém me diz que não acredita em espíritos, eu digo que a existência dos espíritos não depende da nossa crença.”
(Autor desconhecido)
Um ano após a morte do esposo, minha vizinha, Dona Isaura, ainda não havia se desapegado dos pertences do marido. Era difícil pra ela doar as coisas que a faziam lembrar dos momentos felizes que eles viveram juntos.
Seu José nunca foi o modelo de marido perfeito. Ela admitia. Mas sempre foi muito carinhoso com ela. Foi o único homem que ela conhecera em toda sua vida, de casada e de solteira. Acostumou-se com o jeito meio rude dele. Quando ele pedia para ela fazer aquela comida que ele tanto gostava, ela, mesmo cansada, fazia. Ele sempre a mimava com presentes e flores. Eram felizes do jeito deles.
A vida dos dois não foi um mar de rosas. Havia, sim, um pouco de tédio, brigas, cansaço, lágrimas. Mas, apesar de tudo isso, ele lhe dera seus maiores tesouros: dois filhos maravilhosos.
Com o passar dos anos, os filhos foram seguindo seus caminhos e os dois ficaram sozinhos, reaprendendo a partilhar os bons momentos. Quando ele teve um infarto, Dona Isaura sentia que era o fim e apesar dos esforços dos médicos, com apenas 52 anos ela se via viúva. Depois da morte de José, ela agora morava sozinha no sobrado que ajudou a construir e chorava quase todos os dias.
Seus filhos já haviam recomendado que ela doasse os pertences do pai para uma instituição. Ela estava relutante, mas sabia que mais cedo ou mais tarde teria que se render.
Num domingo de manhã, pôs- se a separar os pertences: roupas, sapatos, casacos, chapéu de pescaria, coletes. Doaria tudo o quanto antes. Já era hora de seguir em frente. Estava decidida.
Em dado momento, Dona Isaura abriu a gaveta de cabeceira e tirou de lá uma bússola que o marido usava quando se embrenhava na mata pra caçar. Esta instantaneamente começou a rodar de maneira estranha. Ela girava para um lado e para o outro sem um ponto certo.
Devia estar quebrada ou desregulada, foi o que pensou Dona Isaura. Assim, ela colocou o objeto de volta na gaveta e voltou a separar os pertences. Mas, estava agitada, com o coração acelerado e uma sensação de que não estava sozinha. Por vezes se viu pensando no esposo e um arrepio percorria seu corpo. Chorava e voltava à tarefa. Naquela noite não conseguiu dormir. Resolveu sentar e ler um pouco até o sono chegar. Quando abriu a gaveta lá estava a bússola ainda girando.
Aquilo começava a intrigá-la. No dia seguinte, quando levou o objeto para o concerto, percebeu que ele agora estava normal, não encontraram nada de errado. Mas, quando colocou o pé dentro de casa, a agulha voltou a girar loucamente.
Dona Isaura, assustada, largou o objeto na mesa e saiu correndo se benzendo. Naquela tarde, ela bateu em minha porta e me contou o que havia acontecido. Eu, como sempre fui dada ao sobrenatural, disse que poderia ser algo espiritual sim, mas que não era recomendado alimentar aquela situação. Mesmo porque, que certeza ela teria de que era mesmo o seu marido querendo se comunicar?
— Dona Isaura, esta situação não é saudável nem pra senhora e nem pra ele. Ele precisa seguir em frente. Ele está vivendo em outra realidade agora.
Dona Isaura, chorando, me disse que não conseguiria se desfazer dele assim. Tinha saudade e queria ele por perto. E se aquela era a única forma de tê-lo, ela ficaria com o objeto. Saber que ele estava ali a confortava.
Não consegui convencê-la. Os dias foram passando e Dona Isaura parecia cada dia mais magra, abatida, cansada. Todos já haviam notado, inclusive os filhos. Mas apenas eu sabia o verdadeiro motivo.
Um dia fui até a casa dela para um dedo de prosa e ao entrar, senti um ar gelado por toda a cada, embora fosse um dia quente, e ao ver a bússola girando sem parar sobre a mesa, eu falei.
— Minha amiga, você precisa se livrar disso. Olha o que ele está fazendo com você. Isso não é vida.
— Eu sei. Tenho pensado nisso, você tem razão. Mas eu não consigo. Me ajude.
Eu peguei o objeto e saí da casa dela sem dizer uma palavra. Depois que me desfiz da bússola, voltei a ver Dona Isaura mais corada, cheia de vida. Outra pessoa.
Mas um dia, ao passar pela minha cozinha, que fazia divisa com a casa de Dona Isaura, eu a vi na sala, parada, em frente ao espelho, acariciando com ternura aquela peça. Enquanto ela o tocava, sorria de maneira assustadora.