O segredo da outra: parte 1

O segredo da outra

De: Marcos Welber Fernandes

I

O policial indicou que Horácio se sentasse em uma cadeira diante de uma mesa. Ele era um senhor na casa dos 50 anos, branco, de feições soturnas e um ar malicioso no olhar. Tudo nele revelava um parente cinismo, pelo menos era isso que pensava Helena, a mulher que se sentou na cadeira a frente dele. Ela era uma mulher alta, negra, de cabelos pretos longos e encaracolados. Seu rosto era de uma profunda beleza, mesmo ela estando de cara limpa sem maquiagem e usando calças e blusas largas, as quais tentavam em vão esconder os dotes esculturais de seu corpo.

Ele sorriu ao vê-la com aquele sorriso de escárnio que Helena conhecia tão bem. Era nítido que ele tentava ser simpático, ela pensou. Mas nem com todo esforço do mundo ele conseguiria parecer simpático. Havia passado tantos anos e a presença dele ainda lhe causava asco desprezo e ódio. Sim ela o odiava. Odiava mais que tudo nessa vida.

Horácio disse: _ Oi, minha filha, que bom que você veio! Eu pensei que...

Helena lhe interrompeu com faíscas nos olhos: _ Não me chame de minha filha, por favor. Se fizer isso novamente, eu levanto e vou embora.

_ Me desculpe, é a força do hábito. Afinal você é minha filha. Pode não ter a cor da minha pele, mas tem o meu sangue.

Helena quase gritou: _ Não precisa me lembrar desse horror que tanto me causa dor não. Você não sabe como me dói saber que em minhas veias correm o seu sangue maldito.

Horácio abaixou a voz e o olhar, tentando imprimir ternura, mas só conseguiu piorar ainda mais as coisas. Ele disse quase num murmúrio: _ Você é minha filha queira ou não queira. Temos que tentar...

Helena quase e gritou:

_ Você não pensava assim quando me espancava e me chamava de sem vergonha!

A voz dele virou um muxoxo e ele tentou em vão se justificar: _ Eu era um monstro ignorante e preconceituoso naquela época...

Helena disse com amargura na voz:

_ Era? Quer dizer que não é mais?

Filha, eu posso lhe jurar que sou um outro homem. Eu me converti. Eu sou um homem que serve a Deus agora.

_ E como eu poderia acreditar nisso?

_ Eu lhe dou a minha palavra que...

Helena o interrompeu quase aos berros . O policial fez sinal para que ela baixasse o tom de voz. Tentando se conter, ela disse: _ Jamais poderia acreditar na palavra de um monstro espancador de mulheres, racista e...

_ Filha, eu...

_ Não me chame de filha seu monstro eu já lhe pedi.

_ Tudo bem, Leninha!

Helena sentiu todo o corpo tremer de ódio ao ouvir aquele apelido. Leninha era como a mãe a chamava. Aquele monstro não tinha o direito de chamá-la assim.

_ Para você eu sou Helena, entendeu?

Apenas Helena. Nada de filha nem Leninha. Ouviu? Até porque só quem me chamava de Leninha era a mamãe.

Horácio fez uma expressão de pesar e forçou os olhos para ver se deles saiam uma lágrima, mas o esforço foi em vão. Não saiu nenhuma sequer.

_ Tenho pensado muito na sua mãe. Eu amava muito minha preta.

Helena levantou-se de súbito. Seus olhos ardiam em chamas e por um momento, ele pensou que ela partiria para cima dele. Ela porém se conteve e disse as palavras que durante tantos anos ficaram engasgadas na garganta:

_ Você amava tanto minha mãe, que a matou, seu monstro assassino. Como tem a coragem de dizer que amava?

_ Aquilo foi acidente. Ela Partiu para cima de mim, eu fui me defender e...

Helena gritou: _ Ela só estava tentando me defender. Você estava me chutando depois de descobrir que eu estava grávida.

_ Filha, eu sei que o que eu fiz foi abominável. Mas eu lhe garanto que me tornei uma pessoa melhor.

Helena disse secamente: _ Eu jamais acreditarei nisso . Uma vez monstro sempre monstro.

_ Se ao menos você me desse uma chance.

Helena esbravejou sua mágoa: _ A mesma chance que você deu a mamãe? Nunca, ouviu bem?

Filha, eu sei, que é muito difícil para você vir aqui, depois de tudo o que aconteceu. Mas, eu precisava muito lhe ver. Eu quero uma nova chance de ser seu pai.

Ela gritou: _ Você nunca terá essa chance, nem nessa vida nem em outra, caso haja. Mesmo antes de matae a mamãe, você já não era meu pai há muito tempo e você sabe bem disso.

Horácio tentou fazer uma expressão de pesar e disse: _ Quando meu advogado disse que você viria me ver, depois de mais de 10 anos preso nesse lugar, eu fiquei muito feliz. Filha, você e o Tonico são minha única família.

Ao ouvir o nome do filho, Helena o encarou e havia Faísca em seus olhos quando ela disse: _ Não ouse jamais se referir ao meu filho novamente.

_ Mas, ele é meu neto. Eu quero conhecê-lo.

_ Esqueça. Meu filho não sabe da sua existência e nem nunca saberá. E não quero que ele saiba que tem um avô assassino.

_ Mas, filha, eu saio daqui há algumas semanas e gostaria de...

Ela o encarou nos olhos e disse: _ Se realmente houvesse justiça nesse país, você deveria passar o resto dos seus dias aqui. De qualquer forma, eu vim apenas para lhe dar um aviso: Nunca mais me procure. Esqueça se de mim e do meu filho. Nunca mais quero voltar a vê-lo.

_ Helena, eu...

Ela o interrompeu e se preparando para ir embora disse : _ E mais uma coisa: se quando você sair daqui sequer ousar se aproximar do meu filho, eu te mato. Mato sem dó nem piedade, assim como você fez com minha mãe.

Horácio ia falar alguma coisa, mas Helena lhe deu as costas, pediu ao guarda que lhe abrisse a porta e foi embora sem nem ao menos olhar para trás.

Horácio foi levado de volta a cela, então o drama do pai arrependido não funcionou. Ele já esperava por isso. Mas, não iria se dar por vencido. Ele ainda tinha um trunfo e na hora certa iria usá-lo. "Eu te mato", ela falou. Ele riu daquilo.Não acreditava nem por um momento que sua doce e bela Leninha fosse realmente capaz daquilo. Algum tempo depois ele constataria que Helena realmente havia lhe dito a verdade, porém já era tarde demais.

Continua!

Marcos Welber
Enviado por Marcos Welber em 19/08/2024
Código do texto: T8132699
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