Rodoviária

Antes da chegada do metrô à estação Tietê, Alfredo já estava posicionado à porta, ansioso para ser o primeiro a desembarcar. Era véspera do feriado prolongado de Carnaval e todos os vagões estavam repletos de passageiros. No terminal, um aglomerado de pessoas na plataforma aguardavam o trem para embarcar.

O período destinado ao embarque e desembarque era restrito, consistindo em breves minutos, entre a abertura e o fechamento automático das portas. Ao se abrirem, as portas permitiam que um fluxo de pessoas entrasse e saísse, cada uma disputando o seu espaço. A entrada e saída do vagão se assemelhava a uma corrida São Silvestre, onde o passageiro mais ágil e forte seria o primeiro a entrar ou sair. Um alarme ditava o ritmo acelerado para os passageiros, como a buzina para o início de uma competição.

Faltavam anúncios sonoros no metrô e na plataforma, que orientassem para o embarque e desembarque dos passageiros. Era essencial que os passageiros aguardassem com paciência, permitindo que aqueles que desembarcavam saíssem primeiro, liberando, assim, espaço para os que esperavam para embarcar. Mas isso seria uma utopia porque as pessoas estão sempre apressadas para chegar a algum lugar.

Com os seus quase dois metros de altura e uma figura robusta, Alfredo foi o primeiro a sair do vagão do metrô, como se fosse uma rolha de champanhe sendo lançada. Para chegar à rodoviária, ele tentava abrir caminho por um mar de gentes, todas carregadas com sacolas, malas e carrinhos, que avançavam em sua direção. E uma outra onda humana com suas bagagens se formava atrás dele. Para alcançar a rodoviária do Tietê, Alfredo precisou caminhar, mantendo-se próximo à parede. Quando viu no painel que o ônibus vindo de Ribeirão Preto chegaria às 15 horas, na porta 38, ele pôde relaxar, porque tinha

trinta minutos de folga.

Inaugurada em 1982, a Rodoviária do Tietê, no período da sua construção, despertava várias controvérsias. Alguns argumentavam que o projeto era de enorme magnitude e que uma simples reforma na antiga Estação da Luz seria suficiente para resolver o problema. Outros residentes da capital, em discussões acaloradas, alegavam que era mais uma obra do governo de Paulo Maluf, um político da época notório por sua reputação de corrupto, visando o enriquecimento através do dinheiro público. Em contrapartida, os engenheiros de planejamento urbano apresentavam perspectivas diferentes. A demanda de passageiros cresceu e tornou a rodoviária da Luz obsoleta e saturada. As ruas pequenas no centro da cidade e o trânsito, os ônibus estavam constantemente atrasados, chegando a atrasar seis horas, muitas vezes, era necessário mais de uma hora para que o veículo conseguisse deixar as plataformas do terminal e alcançar a Marginal Tietê. A mudança da rodoviária da Luz para o terminal do metrô Tietê resolveria todos esses problemas.

Os engenheiros do planejamento urbano estavam certos. A Rodoviária do Tietê, tornou-se a maior da América Latina e a segunda do mundo, perdendo somente para a de Nova York, conseguindo descongestionar o centro da cidade. A antiga rodoviária da Luz virou um Shopping Center. Ao longo de suas quatro décadas de existência, a demanda aumentou, levando à necessidade de dividir o fluxo de transporte de pessoas em duas novas rodoviárias, todas com integração com o metrô: a da Barra Funda para os passageiros do nordeste e o terminal do Jabaquara para os que se dirigem à Baixada Santista, região das praias de São Paulo.

Por dia, em média, circulam 90 mil pessoas na rodoviária do Tietê, mas, em épocas de feriado prolongado ou nas celebrações de fim de ano, o número dobra para 180 mil. Foi nesta data tumultuada, véspera de feriado do carnaval, que Alfredo chegou à estação de ônibus para recepcionar o seu único filho Gabriel, vindo da cidade de Ribeirão Preto. Havia quase 200 mil pessoas no recinto. Por causa da forte chuva que caía há dias na cidade de São Paulo, trânsito caótico, tudo estava parado. O atraso para embarque e desembarque ultrapassava três horas. Passageiros chegavam para o embarque com as suas bagagens, outros aguardavam o desembarque de familiares e amigos, congestionando todo o terminal rodoviário do Tietê. A aglomeração era tão intensa que mal havia espaço para uma pessoa se acomodar, parecia uma final de campeonato em um estádio de futebol.

Com cortesia e cuidado, Alfredo abria caminho entre a multidão na rodoviária do Tietê. Esquivava-se de pessoas paradas, sentadas ou deitadas no chão, até alcançar a porta 38, do terminal de embarque e desembarque. O cansaço era visível nos rostos ao seu redor. A chuva refrescava o ambiente abafado enquanto trovões soavam ao longe. Rádios tocavam diferentes músicas e conversas se entrelaçavam, criando uma cacofonia que perturbava os ouvidos de Alfredo. Em um espaço limitado, Alfredo se movia alternando entre olhar seu relógio e a previsão de chegada do ônibus para as 18 horas. Essa espera prolongada intensificava a sua ansiedade e a impaciência.

Uma equipe de seguranças, de ambos os sexos e vestidos de preto, monitorava a multidão na plataforma para manter a ordem. Eles se comunicavam entre si e com a central na rodoviária do Tietê por meio de rádios. Caso surgisse qualquer distúrbio, agitação ou confronto, reforços seriam acionados e a situação seria logo controlada. Equipados com apitos, assim como os guardas de trânsito, orientavam os presentes para manterem o fluxo livre na estação, garantindo um espaço adequado para o trânsito de passageiros. Nessa passagem destinada ao trânsito de pessoas, Alfredo, impaciente, caminhava até o painel eletrônico que exibia o horário de chegada e depois retornava três metros. Repetia esse processo inúmeras vezes, sempre com a cabeça baixa, verificando a hora em seu relógio. Um segurança da plataforma, observava suas ações com grande atenção.

Eis que de repente, uma pessoa que não aguentava mais esperar ou por motivo qualquer, levantou-se do seu assento e foi embora, revoltada e gesticulando a sua ira de aguardar tantas horas. Alfredo aproveitou o lugar vazio e se acomodou. Dali, Alfredo tinha uma boa visão tanto do painel de chegadas dos ônibus quanto do estacionamento. No seu lado, havia uma senhora com várias malas a sua frente, que aguardava o transporte para seu destino.

Assim que Alfredo se acomodou, cessando seus movimentos de um lado para o outro, o segurança, que o observava, se distanciou, mantendo a vigilância à distância. Alfredo, cismado, ficou pensando: “Será que eu conheço esse rapaz de algum lugar? Eu não me lembro. Ou ele está me olhando com receio que eu faça alguma besteria? Sou homem de bem, pai de família, trabalhador, nunca me meti em briga ou arruaça. Porque será que ele tanto me vigia?” Isso por alguns minutos desviou a sua atenção, mas logo voltou a olhar o seu relógio, o painel das chegadas dos ônibus e constatou que faziam duas horas que estava na rodoviária do Tietê esperando o seu filho Gabriel chegar de Ribeirão Preto.

“A senhora vai viajar para Ribeirão Preto?” Perguntou o Alfredo."Sim," exausta pela longa espera, ela disse. "Cheguei à rodoviária às duas da tarde. Devido ao mau tempo e ao trânsito, temia que pudesse me atrasar. Contudo, isso não ocorreu. Em breve, completarei quatro horas aguardando o ônibus. Neste momento, eu deveria estar em Ribeirão, reunida com a minha filha, que me espera para as celebrações do Carnaval. Agradeço a existência dos celulares, pois pude informá-la sobre o atraso. Assim que estiver próxima à cidade, entrarei em contato e ela irá me buscar na rodoviária. E o senhor está esperando alguém?

“Eu estou esperando o meu filho chegar de Ribeirão Preto. Sabe senhora, meu filho Gabriel tem o nome de anjo e é um anjo. Nunca me deu trabalho. Só alegria. Desde que entrou na escola sempre foi um aluno aplicado com excelentes notas. Por toda escola que passou, todos os professores e amigos o adoravam. Quando prestou vestibular para medicina, passou em primeiro lugar na Faculdade de Medicina de Ribeirão e ganhou uma bolsa de estudo. Formou-se médico aos 25 anos de idade e terminou este ano sua residência. Ele me disse que agora irá fazer uma especialização em cardiologia. Olha, eu trabalhei duro para bancar os estudos do meu menino Gabriel, mas digo para senhora, valeu muito a pena, eu estou feliz por ele e não vejo a hora de encontrá-lo e dar-lhe um forte abraço.”

No momento, Alfredo não percebeu, mas havia uma movimentação de três seguranças vindo em sua direção. Assim que a ambulância estacionou na porta 38, um grupo de quatro vigilantes cercaram Alfredo, aguardando a chegada de paramédicos para socorrê-lo. O guarda que estava vigiando-o se aproximou e disse: “Senhor Alfredo, vai dar tudo certo, fique calmo, os médicos irão lhe ajudar.” Assustado, em pânico, começou a chorar e gritar: Eu quero ver o meu filho. Eu estou esperando ele chegar. Por favor, me deixe aqui. Os dois paramédicos, com ajuda dos seguranças da rodoviária, seguraram nos braços do Sr. Alfredo e o levaram para a ambulância.

As pessoas que estavam na porta 38 se aproximaram do segurança que havia conversado com o senhor Alfredo e perguntaram, porque o levaram daquela forma e o que aconteceu? O vigilante disse. “No ano passado, nesta mesma data do carnaval, o senhor Alfredo veio à rodoviária esperar seu filho Gabriel que vinha de Ribeirão Preto. Só que no caminho o ônibus colidiu e capotou, vários passageiros morreram, um deles era o filho do senhor Alfredo. Quando recebeu a notícia, inconformado, ficou em estado de choque e precisou ser internado. Ele sempre aparece por aqui, assim que consegue sair da clínica. Nós da segurança sabendo disso, via rádio avisamos a nossa central para ligar à Clínica, para virem buscá-lo.”

Há momentos na vida das pessoas tão complexos que não possuem uma clara definição. Quando as crianças perdem seus pais, elas são identificadas como órfãs. Se alguém se encontra sem o cônjuge, é denominado viúvo. No entanto, quando os pais sofrem com a ausência de um filho, não existe uma palavra, em qualquer idioma, que consiga expressar a imensidão dessa dor.