Luzes do crepúsculo
Antes que o sol desse o último suspiro, bateu à porta, visando algo tão ligeiro que pudesse sair sem ter escurecido totalmente. O plano era simplíssimo: pedir perdão; e mesmo, o que era maior que isso, no silêncio de tudo, mostrar-se. Por mais que não se vissem há mais de vinte anos, não estava inclinado à surgir como um estranho, o que dava à mente a ideia até mesmo de abrir um sorriso quando ela aparecesse, e mesmo abrisse os braços, mas essas coisas todas ainda eram cochichos, restando, durante a espera, se contentar com o pêndulo dos fracos ventos, disputando para qual lado pendiam as gotas de suor da testa.
Viu uma luz alaranjada escapar por baixo da porta, não tocando os seus sapatos, mas dando qualquer esperança; a luzinha fraca, bruxuleante, mesmo distante, e demais adjetivos que significam a indecisão entre o começo e o fim. Os sons, quase impeceptíveis, milagre esse operado pelos aflitos, de quem vem com a serenidade dos tempos, e a esperada maçaneta que gira, revelando o interior da casa. Abriu bem os olhos, toda aquela luz, com sua fonte descoberta, tomava outra potência, mas o corpo a sua frente era que tapava, deixando todo o brilho para trás de suas costas.
Era a hora, enfim, de mostrar o sorriso? E também pedir o abraço? Assim rápido, sem mais nada? Tudo isso já fora por dias e dias planejado em sua cabeça, mas nunca dá para evitar. "— Oi..., vó...", quase uma pergunta, ao que, por segundos, não foi respondida. Ela só calada, observando, sem feição, com toda sua frente em penumbra. Era, portanto, a hora de correr? Não, agiu. Pulou uma etapa, porém, e abriu primeiro os braços, ficando assim, esquisito, por algum tempo, e todo segundo ali passava como caracol. O mais do desespero, talvez, fosse o de não conseguir ver o rosto da avó. Não podia calcular: estava alegre? triste? com raiva? E tudo isso aumentava a angústia de não saber qual caminho tomar, pois fugiria caso tudo desse errado, mas eis o problema, que agora o sufoco tomava pelo peito, o suor grudando a camisa, uma umidade que criava um frio cadavérico, e toda explosão que crescia em si.
Foi quando dois braços lhe cercaram, cada um alcançando um pulso seu, e criando impossibilidades, prisão. Estava algemado. Quase se transformou em grito, mas fora puxado para dentro da casa, onde, pela primeira vez, aquela luz alcançou seu corpo, e mostrou ainda seu reino, que a sua frente estava sua vó, mesma, a de olhos azuis escuro, ainda mais visíveis do que há décadas atrás, crescendo em sua visão igual o oceano, com o rostinho pendido para o lado, e o sorriso de criança no primeiro repouso. Soube, então, o que de verdade fora preso ali.