Juliana e o Mapinguari
Uma garota chamada Juliana morava em uma vila de garimpeiros próxima a um igarapé na vasta região amazônica. Criada por pais muito supersticiosos, ela cresceu ouvindo histórias sombrias sobre seres que habitavam a imensa floresta. Para os moradores da vila, a floresta era um mundo sem fim, cheio de mistérios e perigos.
Todas as pessoas da vila contavam uma experiência que tiveram com o grande Mapinguari. Este ser era descrito como uma criatura monstruosa com um único olho no meio da testa, uma boca gigantesca na barriga e uma pele resistente a balas. Aqueles que já tinham tido contato com esse monstro diziam que ele emitia um rugido ensurdecedor e exalava um cheiro insuportável. Ele atacava humanos e os animais de estimação dos nativos que viviam em vilas e aldeias no coração da selva amazônica.
Juliana sempre ia pescar no igarapé com seu pai, Pedoca. Em uma dessas viagens, o barco começou a balançar até que virou. Juliana e seu pai saíram nadando em direção às margens, onde ficavam as árvores que rodeavam o grande igarapé. Quando saíram da água, assustados, Juliana perguntou ofegante a seu pai o que havia acontecido. O pai, tenso e olhando para os lados, disse:
— Vamos embora rápido. O que aconteceu foi um aviso do grande Mapinguari. Ele está por aqui. Está sentindo esse cheiro forte?
Juliana ficou confusa porque não sentia cheiro algum, mas para não discordar de seu pai, confirmou que estava sentindo o cheiro.
— Nossa sorte é que o Mapinguari já estava alimentado — disse Pedoca.
Ao chegarem na vila, espalharam a notícia e todos ficaram preocupados. Só Juliana não estava convencida desse tal de Mapinguari; mesmo assim, sentia um medo inexplicável.
Naquela mesma noite, a família de Juliana acordou com um corre-corre na vila, acompanhados de gritos que diziam: "É o Mapinguari! Ele invadiu a vila!" Seu Pedoca saiu com sua espingarda soca-tempero de boca larga, conhecida também como riuna, e acalmou as pessoas depois de fazer uma ronda nos arredores da vila. Enquanto isso, na sua casa, Juliana ouviu um rugido muito alto.
Com o passar dos dias, Juliana começou a perceber que as aparições do Mapinguari eram sempre esquisitas. As pessoas viam ele, mas nunca de uma forma nítida, sempre como sombra ou por barulhos que ouviam. Alguns animais desapareciam misteriosamente. Mesmo assim, Juliana não ficava convencida porque não tinha uma prova real do tal do Mapinguari. Os desentendimentos graves entre os habitantes da vila chegaram ao ponto de uma morte. Algumas pessoas foram embora, deixando tudo que construíram para trás.
Juliana, então, criou coragem e começou a investigar por conta própria. Ela foi perseguida na selva e salva por um índio que estava caçando. O indígena levou Juliana para conversar com Arandé, o pajé da tribo. Quando entrou na oca, Juliana viu um velho índio com o rosto pintado com traços pretos e um cocar com uma única fileira de penas de araras. Seu pescoço tinha um colar de conchas e presas de felinos. Em cima de um gongar, havia tambores, maracás, penas e caximbos. Na parede feita de barro e folhas de buriti, havia fitas de palha com muitas ervas medicinais.
O velho pajé interrompeu a curiosidade de Juliana, perguntando ao jovem índio:
— O que quer a Kunhãtã (Moça em tupi-guarani)?
— Ela e a família estão com o mesmo problema que a gente, pajé. Sua vila está sendo atacada pelo Mapinguari — respondeu o jovem.
O sacerdote indígena mandou Juliana sentar perto dele em um baquinho de palha e disse:
— Cunhã, o Mapinguari só existe porque os homens vermelhos precisaram criá-lo. Ele não persegue o corpo, mas o espírito daqueles que estão em desarmonia com a mãe natureza. Esse Mapinguari que está perturbando a nossa paz é falso e mais perigoso do que o Mapinguari que nós, indígenas, acreditamos. Esse quer destruir nossa mente e nosso corpo e roubar as riquezas que estão embaixo dos rios e da nossa terra. Você foi a escolhida pelo seu dom de pensar com a mente, não com o coração.
Deu um amuleto a Juliana, colocou as mãos sobre sua cabeça e mandou-a seguir somente seu espírito. Tudo se resolveria.
Juliana não desistiu. O medo era grande, mas sua determinação era ainda maior. Durante várias noites, Juliana se esgueirava pelas margens do igarapé e pelos arredores da vila, observando atentamente cada movimento, cada som. Ela queria descobrir a verdade e trazer paz de volta à sua comunidade.
Um dia, Juliana ficou escondida entre o garimpo e a vila e percebeu uma movimentação estranha se aproximando. Era como se fosse um homem, mas todo coberto de couro de onça-pintada, e sua barriga tinha um olho aberto, mas não era de verdade; era pintado. Ela seguiu aquela figura e viu-o entrando no garimpo. Em pouco tempo, saiu o dono do garimpo, Epaminondas Tigreiro, um mestiço, filho de uma índia com um gaúcho, que foi o fundador do garimpo. Ele sempre estava na vila contratando alguém para fazer pequenos serviços para ele.
Juliana contou para seu pai que o tal do Mapinguari era apenas uma lenda. O perigo mesmo era Epaminondas Tigreiro, que estava tentando amedrontar os colonos da vila para aumentar o seu garimpo. Seu pai, depois de muito observar, resolveu fazer uma armadilha com a ajuda dos homens da vila.
Durante dias, eles planejaram meticulosamente, coordenando os detalhes de uma armadilha que pudesse pegar Epaminondas e seus capangas no ato. Uma noite escura e silenciosa, os homens da vila se posicionaram em pontos estratégicos ao redor da área do garimpo. Juliana, com seu coração batendo forte, estava escondida junto com seu pai, observando tudo. O tempo passava lentamente até que, finalmente, avistaram figuras se movendo na escuridão. Eram Epaminondas e seus capangas, todos trajando as vestes de Mapinguari, tentando mais uma vez assombrar a vila.
A emboscada foi rápida e eficiente. Com um sinal combinado, os homens da vila cercaram os intrusos, imobilizando-os sem grande resistência. Epaminondas e seus capangas foram desmascarados diante de todos, suas vestes monstruosas jogadas ao chão, revelando o engano que tinham perpetuado.
Chamaram os índios, que também vinham sofrendo com as supostas assombrações, e juntos decidiram a punição para Epaminondas e seus comparsas. Eles foram expulsos da região, com um aviso claro de que nunca mais deveriam voltar. No meio da roça de milho, colocaram as roupas e a máscara do falso Mapinguari em um espantalho que ajudava a espantar os pássaros, macacos e roedores que invadiam a plantação. O velho pajé, olhando para o milharal, pensou:
— O mal nunca se mostra com clareza, sempre camuflado com o medo dos mais humildes. Seja nas atitudes ou na aparência, aquilo que nos afugentava, hoje aos olhos de todos que um dia o temeram tanto, é balançado pelo vento e espanta não homens, mas animais.