Caça...
Ramon! Ramon! – Grita Celeste, enquanto procura pelo companheiro que havia se embrenhado na mata em busca de caça. Percorre os caminhos que, juntos, já haviam trilhado outras vezes, quando a fome era maior que o medo. Tinham ouvido coisas terríveis sobre insetos, cobras e outros animais que tiraram a vida de muitos dos que se aventuraram naquele lugar, mas há momentos em que qualquer mal é menor do que o maior deles – a miséria... e a fome.
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Celeste e Ramon foram parar em Caldas Esquecida*, uma pequena cidade perdida no meio do nada no cerrado mineiro, depois que seu primeiro marido, Edgar, descobriu o romance entre eles e os ameaçou de morte, tornando-se, eles próprios, em “caça” para o enfurecido homem. Mas já havia se passado muito tempo, desde então. Com o fim do dinheiro que tinham conseguido levar, quando da fuga, viviam em penúria num casebre adquirido na época e as dificuldades de se encontrar trabalho eram enormes para todos os habitantes dali. Com sua incomum vegetação, Caldas Esquecida vivia momentos de intenso clima frio ou quente, conforme a sua estação, com verões chuvosos e invernos secos. E as autoridades designadas para o local, que ali nem residiam, pouco se importavam com a sua população.
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Exausta e quase desistindo da busca, Celeste ouve um disparo. Pensando que Ramon finalmente havia abatido algum animal, mas rapidamente lembrando que ele não possuía uma arma, corre para o lugar de onde ecoou o tiro e estanca. Avista o ex-marido frente a frente com seu companheiro, trazendo um sinistro sorriso no embrutecido rosto barbudo e de expressão ensandecida. A caçada acabou, cão sarnento! - Ele dizia entredentes, com seu habitual charuto no canto da boca. Ramon está pávido e paralisado. Sua companheira, em igual estado, a tudo observa, impotente. Edgar, com sádico prazer, continua vaticinando em esgares de ódio. - O primeiro tiro eu errei, mas não há qualquer outra chance de erro, maldito!
Cospe o charuto no chão e rosna, imperativo: - Agora, ajoelha e mostra que sabe rezar, desgraçado! Então repara na presença da ex-mulher e, com os lábios crispados pela raiva, vocifera: - E você, vadia, vai junto com ele pro inferno!
Com o olhar fixo na alça de mira da espingarda, o dedo já no gatilho e pronto para disparar, o homem mal percebe que, numa fração de segundo, Celeste corre na sua direção e o empurra, fazendo com que mude o rumo do alvo e atinja uma colmeia que pendia do tronco de uma velha árvore. Os insetos imediatamente o seguem, irritados e atraídos pelo barulho da arma e do cheiro forte do charuto, avançando agressivamente sobre ele.
E enquanto o ouvem urrar de dor e horror pelo ataque, Celeste e Ramon, já habituados com a presença de abelhas naquelas áreas, fogem do local, tendo seus corpos protegidos por óleos de menta, cravo, eucalipto e citronela, que aprenderam a preparar com os moradores da cidade. Para aquele enlouquecido homem, porém, não existiria nenhuma possibilidade de escape... e as picadas seriam fatais.
A caçada havia acabado, como profetizara Edgar.
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*Caldas Esquecida é um nome fictício criado para a cidade imaginada para o Conto.
Imagem gerada p/Marise Castro