Desova
Traci Roach contou cuidadosamente as notas de 100 dólares que o fazendeiro havia acabado de lhe entregar.
- Certinho, Sr. Tate!
- É um prazer fazer negócio com os Roach - redarguiu o homem, tocando na aba do chapéu e embarcando na cabine da F-150 que o trouxera até ali. Sam Tate partiu mais leve, já que havia se livrado daquilo que viera na caçamba da picape e que justificava o pagamento feito à irmã de Garry Roach. Este, que acompanhara a conclusão do negócio depois de ajudar o fazendeiro a livrar-se da carga, comentou, depois que o automóvel desapareceu numa curva da estrada:
- Fico pensando se ninguém procura por essas pessoas.
- Você se importa? - Traci fez um muxoxo de desdém. - Pode-se dizer que não temos problemas com população de rua nessa cidade. Nada de viciados em fentanil, nada de vagabundos perambulando pelas estradas, nada de... gente estranha.
- Não, eu não me importo. Mas será que tantos desaparecimentos numa área tão pequena nunca chamaram a atenção da polícia... quero dizer, não da polícia local, pois até ela está no esquema... mas dos federais, por exemplo?
Traci encarou-o e indagou, muito séria:
- Quem iria denunciar o desaparecimento de um drogado para o FBI, Garry?
Ele fez um aceno de cabeça, reconhecendo que ela tinha razão.
- Esse bosque de bordos é o melhor sumidouro que poderia existir - prosseguiu Traci. - As coisas aqui desaparecem tão completamente que creio que deveríamos pensar em expandir os negócios!
Garry ergueu os sobrolhos.
- Colocamos um anúncio nos classificados? "Traga o seu corpo e damos sumiço nele"?
Traci pôs as mãos na cintura.
- Nada tão literal assim; mas creio que temos um filão inexplorado aqui.
- Penso que o que mantém esse lugar fora do radar das autoridades, é que as transações sempre foram feitas no sigilo - ponderou Garry. - Tanto que só descobrimos para o que realmente servia, depois que herdamos a fazenda do vovô. Da mesma forma, acho que os nossos principais clientes também não iriam gostar se soubessem que estamos fazendo publicidade do negócio.
Traci correu os dedos pelos cabelos, impaciente.
- Certo, vou engavetar a ideia até pensar em algo melhor. Mas pelo menos você tem que reconhecer que receber em dinheiro vivo foi uma boa sacada; eles queriam depositar o dinheiro na nossa conta!
- Sim, imagino que o vovô justificava os depósitos com a venda de xarope de bordo, - assentiu Garry - mas nós nem começamos a reativar a produção. Tanto dinheiro na conta, acabaria atraindo a atenção da receita federal.
Ar pensativo, Traci voltou-se para o bosque de bordos atrás da casa da fazenda, braços cruzados.
- Mas vamos precisar voltar a vender o xarope, nem que seja para disfarçar. E aí, poderemos começar a gastar o dinheiro que já recebemos...
- O melhor xarope de bordo de Montana - sorriu Garry, abrindo os braços num gesto efusivo.
- O melhor e o mais caro - ressaltou Traci num tom confiante.
A conversa foi interrompida por um ruído lamurioso, oriundo da floresta do lado oposto da casa. Não precisaram esperar muito para constatar que provinha de um velho carrinho de mão de construção civil, cuja roda deveria estar precisando de óleo. Dentro da caçamba, um volume encoberto por um casaco militar marrom. E, empurrando a carga, uma garota morena usando um vestido empoeirado, os cabelos cobertos por um lenço amarrado na nuca. Ela parou em expectativa, quando viu os irmãos.
- Parece que o sumidouro atrai gente de todo lugar - comentou Garry.
- Essa é "pro bono" - declarou Traci. - Seja lá quem for que esteja nesse carrinho de mão, fez por merecer.
Acenou para a garota e depois apontou a trilha, que adentrava o bosque de bordos:
- Por ali! Por ali!