Purcissão
O vigário, um Valentino - quiçá mais que o próprio Rodolfo - dizia-o bem, espevitado, em seu tom abaritonado, potente, do alto do púlpito: "A procissão do Corpo do Senhor sairá pela rua...". Mas nós, a massa dos fiéis, ficávamos mesmo era na "purcissão". Mesmo já indo a escola, tendo aprendido a escrever bonitinho, ficava feio, pedante e sem espontaneidade. Passava-se por `metido` aquele que ousasse transgredir a ordem natural das coisas da linguagem geral.
Ainda bem que não acendi minha vela, que trouxe de casa, senão ela já tinha se consumido toda só nessa consideração introdutória. Mas a tenho aqui comigo, sim, posso apalpá-la em meu bolso, branquinha, fina,mas que tamanho mais exacto! Na certa há de ser de espermacete. Será essa a grafia correcta? Deus é brasileiro, mas em matéria de grafia ele é severo. Parece mais português. E lisboeta.
A rapaziada tá vendendo velas pelo adro e pela praça da Càmara, onde o povo se aglomera para a saída da purcissão. Não garanto, mas dá pra imaginar que a metade da gente da cidade tá por aqui. E essa outra metade é de gente de fora, das roças,
dos povoados e de bibocas mais distantes.
A gente reconhece pelos chapéus dos homens - e pelas pernas não depiladas das mocinhas. O que as torna ainda mais apetitosas. Ao Senhor - que se não se mete, tampouco é gilette. Ai Deus, já pequei mesmo, mas depois confesso, apaga-se tudo. Menos a vela.
E agora é hora de acender as velas, ó o Padre saindo da porta da Matriz, todo paramentado da paixão do Cristo. E eu ardendo pra não queimar as madeixas cacheadas dessa irrequieta moça que me vai à frente, tão compungidamente, liderando a gente. E a vela, de repente, derretente e impeni(s)tente...