A Mensagem
Ele parou na porta. Foi simpático e eu apenas ignorei, achando se tratar de algum aluno novo ou um funcionário que ainda não me conhecia. Continuei concentrado na montagem do equipamento de vídeo para a aula de logo mais. Uma aula de literatura. Fiquei a noite inteira fazendo aqueles slides e estava irritado por não conseguir fazer o Datashow ligar. Daí, ele perguntou se eu era Victor. Fiz que sim com a cabeça enquanto enfiava o cabo HDMI no computador. Acho que ele sorriu, mas só vi de relance, então não posso afirmar com certeza. A tela demorou para projetar, então sentei para mexer melhor nas configurações. Ele ainda estava na porta, um pouco pálido e perguntou, novamente, agora acrescentando meu sobrenome. Vitctor Menezes, respondi laconicamente, começando a ficar intrigado com aquela insistência. Com um clique, tudo funcionou e bati uma palma de alívio. Cheguei a sorrir para o homem, que sumiu da vista por alguns minutos e reapareceu com uma pistola apontada para minha cabeça. Minha única reação foi erguer os braços. Os olhos dele, azuis como água, estavam injetados de uma adrenalina sombria e meu cérebro só conseguiu processar que aquilo era o fim. Ele balbuciou algumas coisas confusas, ou ao menos pareceram confusas a mim. O medo me fez grudar os pés no chão e nem pensei em correr ou, no mínimo, gritar. Ninguém passava no corredor. Era cedo, mas já era para alguém estar por ali. Por que diabos nenhum daqueles irritantes alunos não chegava de surpresa? Ele baixou a arma um instante e chorou. Patético. Totalmente patético e eu quis até consolá-lo, mas imaginei que seria burrice tentar alguma coisa, inclusive a fuga. Recuperado, apontou a arma de novo e, dessa vez, ainda mais irritado. Começou a falar pausadamente e só então dei-me conta do motivo de tudo. Balancei a cabeça inconformado. Tentei explicar, argumentar, até abaixei os braços e o golpe final veio mesmo quando eu disse que não valia a pena estragar toda a vida dele por isso. Acho que ele me deu razão, não sei. Senti, por um momento, que sairia ileso. Mas recomeçou a ladainha e fechei os olhos, irritado. Ameacei e mandei que acabasse logo com aquilo de uma vez. Se fosse me matar, que matasse, mas se não…o tiro até agora tá zunindo no meu ouvido. Foi um só, bem na têmpora. Senti um misto de alívio e medo. Não sei se é possível ter dois sentimentos ao mesmo tempo. Será que é? Bom, de repente a sala estava cheia de gente. Alunos, professores, funcionários, curiosos, imprensa. Pergunto-me onde estava esse tanto de gente algumas horas antes. Um policial chegou perto e disse que fui sortudo, mas que a mulher do homem não teve a mesma sorte. Morreu, coitada. Um tiro na nuca enquanto preparava o café da manhã e tudo isso por um mal entendido. Uma mensagem interpretada de forma equivocada. O filho deles iria para o conselho tutelar e o cachorro…acho que a vizinha ficou com ele. Uma confusão, uma grande confusão. Bom, eu acho que vou conseguir superar isso. O cheiro da pólvora ainda me irrita. Nunca mais darei aula naquela sala. Tenho a impressão de que os miolos dele ainda estão por ali, me assombrando. A aula de literatura acabou em romance policial barato e, pior, os protagonistas não sobreviveram. Eu sobrevivi, mas não sei se posso me considerar um protagonista.
-Tá quase na hora, Pedro.