QUEM COLCOU FOGO
Nos arredores de Carazinho, pequena cidade do Rio Grande do Sul, o calor do verão soprava como um fole incansável, envolvendo tudo em sua onda abrasadora. Era 1948, e as aventuras inocentes de dois irmãos, Scaramouche, de apenas 5 anos, e seu irmão mais velho, Walter, de 6 anos, prometiam um dia repleto de descobertas e travessuras.
Armados com uma simples caixa de fósforos, a dupla partiu em direção ao campo próximo à sua humilde morada. A curiosidade infantil os impulsionava, e a promessa de diversão fazia seus olhos brilharem com intensidade. Não imaginavam que uma simples brincadeira poderia desencadear um evento de consequências tão imprevisíveis.
O primeiro estopim de sua aventura foi a macega próxima, uma pilha seca e susceptível ao menor sinal de chama. Com um único riscar de fósforo, testemunharam maravilhados a rápida evolução do fogo, que dançava e se alastrava vorazmente, como se possuísse vida própria. Fascinados pelo espetáculo ardente, decidiram alimentar o incêndio com mais duas macegas, sem perceberem o perigo iminente.
A brincadeira tomou proporções incontroláveis, e logo diversas macegas estavam em chamas, alimentadas pela curiosidade inconsequente dos jovens irmãos. Desesperados, tentaram apagar o fogo, mas seus esforços foram em vão diante da voracidade das chamas, alimentadas pelo vento impiedoso.
O incêndio se alastrou pelo campo, devorando tudo em seu caminho, enquanto o calor escaldante castigava a terra seca. O desespero tomou conta de Scaramouche e Walter ao perceberem a magnitude do desastre que haviam desencadeado. Correram de volta para casa, com o coração pesado pela culpa e pelo medo das consequências.
A notícia do incêndio se espalhou rapidamente pela comunidade, mobilizando os moradores em uma corrida contra o tempo para conter as chamas vorazes que ameaçavam engolir tudo em seu caminho. Uma equipe de voluntários se formou, lutando incansavelmente para controlar o fogo que se alastrava pelos campos.
Enquanto a comunidade se unia para enfrentar a tragédia, a culpa pesava nos ombros dos jovens irmãos. Sabiam que eram responsáveis pelo caos que se abateu sobre a pacata cidade, mas o medo de enfrentar as consequências de seus atos os impedia de revelar a verdade.
Ao serem questionados pelos vizinhos sobre a origem do incêndio, Scaramouche e Walter mantiveram-se em silêncio, protegendo-se mutuamente com lealdade fraternal. Seus pais, cientes da verdade, escolheram proteger os filhos, optando pelo silêncio em vez da denúncia.
O prejuízo causado pelo incêndio foi significativo, deixando os campos devastados e os animais sem pasto. Mas, apesar da tragédia, a comunidade permaneceu unida, encontrando forças na solidariedade para se reerguer diante da adversidade.
Com o passar do tempo, o fogo que um dia consumiu os campos de Carazinho se transformou em uma memória dolorosa, mas também em uma lição aprendida. Scaramouche e Walter aprenderam, da maneira mais difícil, o poder das suas ações e a importância da responsabilidade.
E assim, entre as cinzas daquela fatídica tarde de verão, nasceu a consciência de que, por trás de cada brincadeira, há consequências que podem mudar vidas para sempre.
Neri Satter – Março de 2024 - CONTOS DO SCARAMOUCHE
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