Nut - capítulo III
III
O hálito quente da menina era doce, agradável até, mas tinha algo nele que incomodava Demétris.
— Qual é o seu nome?
Demétris olhava aquela figura, agora enrolada num cobertor, sentada de modo estranho no sofá do apartamento.
— Meu nome é Luna...
— Onde você mora? Naquela baía?
Ela fez uma cara pensativa. Olhou para o chão, como se temesse algo.
— Não. Eu não moro lá.
— Então temos que levar você para casa! Devem estar procurando por você em todos os lugares...
— NÃO!
Os olhos de Luna se arregalaram de forma animalesca. Sua voz parecia mais um guincho. Ela pulou do sofá, fazendo com que o cobertor descobrisse o seu corpo adolescente, e agarrou-se fortemente a Demétris.
— Demi... Eu não quero voltar para “aquele” lugar. Não quero. Deixe-me ficar aqui com você.
O jovem a olhou com pena, aquele corpo apertado tão firme ao dele trazia uma sensação interessante. Era quase nostálgica. Mas não se lembrava de ter estado naquela situação antes...
— Mas se meus pais a virem aqui... Não sei o que farão.
Luna o olhou profundamente.
— Eu serei discreta. Não atrapalharei o sonho...
Naquela noite Luna dormiu aos pés da cama de Demétris aninhada, como um gato. Ele pediu para que ela se deitasse na cama, enquanto ele dormiria no chão. Ela se recusou e Demétris logo viu que não conseguiria dormir com o ronco; o ronco do estômago dela.
***
A prostituta rodava sua bolsa distraidamente à esquina da rua deserta. Nenhum carro, apenas um nevoeiro denso. Ela sabia que a noite não estava boa para os negócios, mas a necessidade a fazia prosseguir.
Desistiu, por fim. Pensou em retornar para casa com a frustração de não ter ganhado nada pela primeira vez naquela profissão.
¬— É cedo para uma refeição...
A Mulher escutou aquela voz arrastada como se viesse do próprio além. Não havia escutado passos atrás de si, todavia sentia que naquele momento, naquela rua deserta, mais alguém se encontrava.
— Não acha? – continuou a voz arrastada que parecia ecoar na alma da mulher.
Ela se virou.
— Quem é você?
— Você parece assustada... Não me diga que é assim assustada com todos os seus clientes?
Ela o fitou, agora encarando o desafio proposto nas palavras daquele velho, de barba e bengala, uma estranha bengala, que, ela percebeu, parecia um fêmur...
— Cinqüenta, a hora – falou a mulher, enquanto arrumava os seios.
Houve alguns segundos de silêncio interrompidos por um estranho sibilo vindo do céu.
— Hum... Acho que você não será uma boa refeição hoje.
— Do que está falando? Você é do tipo que gosta de ofender, por acaso?
— Mas “ele” fez uma promessa, para seu azar.
— O que...
Um corte no vento, uma perfuração repentina abaixo da axila da prostituta, o sangue sendo drenado, o útero arrancado através de outra perfuração abaixo da barriga. Não houve tempo para gritos, não houve tempo para dor, talvez. O vulto negro e disforme arrastou o corpo da mulher pela rua e o levou para um beco ainda mais escuro, o som dos ossos sendo partidos era ritmado. O velho continuou onde estava observando a escuridão daquela noite fria. Falou para o vento, rodando o seu cajado na direção contrária:
— Não me culpe, não sou eu quem escolhe a refeição... É apenas uma questão de sorte.
Continua...