42° Graus
O sol cuspia fogo.
A areia queimava meus pés.
Todo meu corpo inerte
Não sentia mais calor
Nem a presença da dor.
A pele estava ressecada
Cheia de polígonos irregulares.
E uns olhos olhando e não vendo
Um horizonte que se afastava
E se aproximava de mim.
‒ Ao meu lado caminhava um cão.
Sem água e sem comida
Sem crer na esperança quase sem vida
Continuei a subir as extensas dunas
Que surgiam à minha frente.
‒ O cão seguia-me.
No chão, sombras tranquilas
Movimentavam-se em leque
Acompanhando meus passos bêbados.
Elas. . . pacientes. . . esperavam o meu fim
E mesmo inanimado. . .
Eu não iria me entregar.
‒ O cão. . . não sei.
Bem ali perto, jazia. . .
Restos de esqueletos de animais e. . .
Talvez misturados,
Ossos de transeuntes como eu.
O sol era o mesmo apesar do entardecer.
E os abutres voavam bem mais baixo
Ou eu já delirava. . .
Com medo de perder a vida.
Num estado de agonia,
Com um passo incógnito,
Perdi o equilíbrio e caí.
N’areia quente adormeci.
Não sei por quanto tempo
Permaneci desvanecido.
Mas restaurei
Com os latidos angustiados do cão
E o piar frenético das aves de rapina.
Numa reação espantosa
O cão saiu em disparada
Em sentido contrário
Ao que caminhávamos.
Levantei-me atordoado
Consertei as vestes rotas que me cobriam
E segui feito múmia ambulante.
‒ Os abutres seguiam o cão.
O sol escorregou de vez no horizonte
E a noite ficou coberta de estrelas.
A lua se aproximou. . .
E ficou a contemplar o meu calvário
E a pertinência do meu eu beduíno.
Atingindo o alto de uma duna
Avistei luzes!
Não sei se era uma aldeia
Ou um fruto da imaginação.
Mas adotei este tão esperado momento.
Quase que amanhecendo
Bispei, observei e vi. . .
Concentrações de casas. . .
‒ Um povoado!
Tão logo no primeiro casebre
Pedi um copo com água.
Mas a sede continuava.
Fui cercado piedosamente
Por rostos que me pareciam familiares.
E eles tinham pena de mim!
E nesse momento. . .
‒ Tive pena do destino do cão.
– Água! Mais uma vez solicitei.
Quando me trouxeram. . . atinei!
Eu estava deitado na minha cama,
Minha família ao redor do leito
E os dois melros de meu pai
Sobre o guarda-roupa.
E Grilo, meu vira-lata de estimação
Apontando o focinho detrás da porta.
Sentei todo suado
E levantando o braço
Para pegar o copo com água
Um termômetro caiu sobre a cama.
– A febre diminuiu. . .
Não são mais quarenta e dois graus.
(Disse minha mãe.)
Copyght @ by Ótomo Rélcia
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(13/03/2024)