Diário II
Ei! Falei com certa indignação para o meu reflexo no espelho.
Olheiras e rugas estavam mais salientes e profundas em meu semblante.Não fosse só isso, naquela noite meus sentidos estavam bastante alterados. Eu podia ouvir uma mosca do outro lado da janela da cozinha batendo asas incansavelmente. Tudo parecia ter tomado proporções gigantescas, minha audição não me enganava, também ouvia passos no corredor. Os pingos d’água da torneira sobre a louça de dois dias atrás estavam me deixando irritada. Fechei os olhos lentamente na tentativa de acabar com aquilo, me transportando dali. Quando tento voltar a abri-los não consigo. Era como se eles tivessem vontade própria. Agora não sabia o que era real. Ouvia longe o tic-tac do relógio que fazia crer estar acordada ainda. Tento me movimentar, mas minhas mãos estão comprimindo meu pescoço, começo a ficar ofegante e não consigo me livrar. De repente já não ouço nem barulhos, nem minha respiração e continuo na escuridão.Os olhos continuam cerrados. A única coisa que sinto são lágrimas que caem lentamente dos meus olhos acariciando meu rosto. Aos poucos vou me descobrindo. Agora o frio do chão do banheiro gela meus pés. Busco a torneira e a abro com aflição. Lavo meu rosto rapidamente e nisso meus olhos voltam a se abrir. No mesmo instante me deparo com o reflexo no espelho, mas que agora não era o meu. Lá estava uma moça jovem sorrindo, dentes perfeitos, olhar penetrante, mas apesar do sorriso não parecia feliz. Fiz mímica e algumas perguntas, mas ela continuava do mesmo jeito: sorrindo, imóvel. Tentei sair dali, mas não tinha forças suficientes para mover meu corpo, somente ainda continuava em pé por estar apoiada a parede. Quando me recuperei totalmente saí em direção ao quarto, mas não era minha casa, nem minhas coisas. Ouvi batidas na porta, cada vez mais desesperadas.Pela força parecia ser um homem, não falava nada somente batia, batia e batia. Fiquei encolhida entre um armário e uma velha escrivaninha até que o suposto homem desistiu de bater.
Lá adormeci não sei por quantas horas, quando acordei, ou saí daquele estado da noite, já era dia, o sol brilhava e o relógio marcava 8:30h. Estava em casa novamente, sentia dor por todo o meu corpo, principalmente nas costas. Devido ao modo como fiquei escondida/encolhida.
È querido amigo, mais uma noite se foi e muitas mais virão. Talvez o reflexo no espelho seja algum tipo de enigma a ser revelado. Só saberemos quando não mais tiver sol, quando de novo na solidão e escuridão eu estiver inserida. Sei que o que sinto não é medo dessas noites mal dormidas, mas medo do que elas podem me relevar.
Também estou aguardando ansiosa querido amigo, mais do que você possa imaginar, talvez esta seja a chance de descobrir quem realmente sou e do que sou capaz.
Bem agora já é hora de ir...amanhã você será o primeiro a saber.
Lya Vogel