Lírios Vermelhos
Beth era uma garota lindíssima. Aos dezoito anos tinha um corpo escultural, rosto deslumbrante, cabelos longos belos e sedosos, grandes olhos verdes que fascinavam, um sorriso provocante. Atraía olhares por onde passava.
Morava em uma cidade conservadora, de porte médio, onde as aparências não só físicas como também sociais contavam muito. Havia ali muitos milionários que ostentavam e viviam em eventos sociais como se aquilo fosse uma forma de ser feliz.
Beth era de uma família classe média baixa. Ela não se conformava e sempre questionava como uma garota tão linda e nobre podia ter nascido naquele lar tão sem recursos, naquela casa tão simples onde nem tinha coragem de chamar seus amigos para uma festinha ou reunião social. Brigava com seus pais pois sempre queria ter o que não podia, acusava-os de não ter ambição.
Era cortejada pelos garotos do seu bairro, mas nunca deu trela pra nenhum. O que menos queria era namorar um pobretão.
Por esta época ingressou na universidade. Seus pais faziam sacrifícios pra pagar. Sentia vergonha das roupas que usava que eram inferiores às de suas colegas. Pensava em um jeito de ganhar dinheiro. Um dia um colega, filho de milionários, a convidou para sair. Ela aceitou e ele perguntou quanto lhe custaria. Ela ficou profundamente ofendida, mas viu ali uma oportunidade de ganhar um bom dinheiro. Pensava que se o colega gostasse dela podiam namorar e quem sabe um dia entrar para a sua família.
Saíram. Vendo que ele ficou muito impressionado com o encontro se recusou cobrar. Mas o cara pagou pois não queria compromisso.
Beth começou a pegar no pé dele, que se esquivava. Como não estava conseguindo nada resolveu mudar de estratégia. Certo dia, durante uma aula, entregaram belos lírios vermelhos para ela que ficou muito surpresa. Leu o cartão e sorriu feliz. No entanto seu colega ficou completamente indiferente.
Desistiu dele e partiu pra tentar conquistar um outro milionário, mas eles só queriam um programa, uma noite. E ela viu que poderia ganhar muito dinheiro.
Os lírios vermelhos chegavam com alguma freqüência durante a aulas e os colegas sempre ficavam surpresos ou intrigados com tantas flores para Beth. Curiosos, procuraram saber quem mandava as flores e descobriram que era ela quem mandava, mas ninguém tinha coragem de revelar tal segredo.
Começou a chegar em casa com roupas, sapatos e outros ítens caros. Sua mãe desconfiou:
— Como comprou estas roupas, calçados e maquiagens caras?
— Quem disse que são caras?
— Acha que sou idiota?
— Comprei em um brexó. Sabia que as mulheres da sociedade usam as roupas uma única vez, no máximo duas e depois descartam?
— Leve-me a este brexó. Quero conhecer.
— Imagina se vou te levar lá pra me envergonhar. Lá é lugar de gente sofisticada e não de uma professorinha como você.
Virou as costas e saiu deixando sua mãe chorando sozinha.
Beth começou a sair frequentemente com Saulo, um dos homens mais ricos da cidade. Ele era casado. Ganhou dele jóias caras, dinheiro, viagens e muito mais. Quando viajava dizia aos pais que ia para congressos ou cursos. Eles, inocentemente, acreditavam. Quando ganhou um carro, disse que foi um sorteio que teve num shopping.
Conseguiam manter em sigilo seu relacionamento mesmo estando saindo cada vez com mais frequência. Ele se mostrava apaixonado e prometia terminar seu casamento para ficarem juntos. Mas isto nunca acontecia mesmo depois de dois anos.
Certa noite, ao chegar em casa, Beth foi surpreendida por um assaltante. Mesmo sem nenhuma reação dela, o assaltante atirou duas vezes. Deixando-a caída, fugiu no carro. Num lugar ermo pegou o dinheiro que estava na bolsa e abandonou o veículo.
Seus pais se desesperaram ao ver a filha ferida. Quando o socorro chegou ela já estava morta. A notícia se espalhou e foi uma consternação na cidade.
Saulo compareceu ao funeral. Demonstrava imensa tristeza. Ficou em um canto tentando não ser visto. Não se conformava. Jurou a ela que faria justiça e iria até o fim do mundo para que o culpado pagasse pelo crime.
Nos próximos dias tanto ele, por debaixo dos panos, como os pais pressionavam a polícia para que o crime fosse elucidado. Com as imagens das câmeras de segurança conseguiram identificar o atirador e começou uma caçada a ele. Quando foi preso, verificaram que não tinha histórico de roubo e muito menos de latrocínio. Tinha um ou outro delito de menor importância. Queriam saber se havia mandante, mas ele se calava. Chegou um advogado renomado para defender o preso e tentar libertá-lo. Saulo ficou sabendo e usando de influência e com um advogado conseguiu evitar que o investigado fosse solto.
Enquanto isto, os pais de Beth começam a arrumar seu quarto. Ao verificar o armário deparam com jóias, dinheiro, dólares, euros, pequenas barras de ouro e o registro de um apartamento em seu nome. Eles se olham, se abraçam e choram pois é a certeza que ela estava levando uma vida torta. Visitam o apartamento que fica num lugar discreto. Encontram um lugar elegante, sofisticado e indícios que ali ela se encontrava com alguém. Nesta noite sua mãe dorme mal e tem sonhos confusos em que a filha aparece chorando e pedindo perdão. Ao acordar vê ao seu lado um lírio vermelho. Espantada se lembra que muitas vezes a filha chegava em casa com estas flores. Beija o lírio e pensa que sua filha está tentando dizer alguma coisa.
Neste mesmo dia, chegando ao escritório, Saulo encontra sobre sua mesa um lírio vermelho. Chama sua secretária e pergunta quem colocou a flor ali. Ela diz que ninguém entrou na sala e que não sabe o que pode ter acontecido. Ele, que ainda está profundamente triste, chora lembrando do quanto ela gostava daquelas flores. Confuso, pensa no que pode ter acontecido.
O suspeito segue preso e uma noite sofre um atentado e por pouco não morre. Amedrontado e sem saber como se defender resolve contar o que sabe pedindo proteção e benefícios por colaborar. No depoimento ele diz:
“Fui chamado para fazer o serviço. Quem conversou comigo foi um motorista de uma madame de nome Marta. Disse que ela queria me contratar para matar uma garota e que fizesse parecer ser um assalto. Quando perguntei por que matar a garota ele, que já estava querendo fazer uma fofoca, disse que o marido da madame estava de caso com a vagabunda e até pensando em divorciar pra ficar com ela. Era preciso portanto tirá-la do caminho pois não admitia se divorciar e entregar o marido pra ninguém. O marido se chama Saulo.”
Chamada para depor, Marta nega tudo. Mas ao ser pressionada, diz que só contratou o homem para dar uma lição na garota e machucar aquele rostinho lindo, mas infelizmente o pior aconteceu. Seu motorista deu a mesma versão.
Meses depois tem início o julgamento do matador e de Marta. Ao entrar no Tribunal do Júri o juiz se depara com um lírio vermelho em sua mesa. A mesma flor está presente diante de cada jurado e do advogado de acusação. O juíz pergunta quem fez tal brincadeira. Ninguém sabia. Os pais de Beth se olham e entendem. Saulo se sente confuso vendo as flores. Durante os dias dos julgamentos sempre aparecia novos lírios. Os réus foram julgados e condenados. O matador a vinte anos e Marta a uma pena simbólica apenas por mandar dar uma surra na rival. Acabada a leitura das penas todos os lírios murcharam repentinamente. Saulo chorou discretamente pensando que talvez fosse pela injustiça na condenação tão branda de Marta, principal responsável pela tragédia.
Saulo se divorciou da esposa. Anos depois casou-se novamente.
Os pais de Beth e Saulo nunca se encontraram. Não se sabe se eles tinham conhecimento que era com ele que a filha tinha um caso
Pela vida afora, sempre que se sentiam tristes ou com saudade, os pais de Beth e Saulo recebiam lírios vermelhos e sentiam sua presença…