Fantasma. [microconto]
Esgueirava o rato, brechando por um fio, fantasmeando enquanto a escuridão da rua criava ondas entre a luz dos postes. Sopros de silêncios, sombras que traziam latidos, motores ao longe, dessas coisas madrugosas; mas, ali, naquele quintal, se ouvia, partindo de dentro da casa, alguns ruídos — talvez o de um chuveiro. Seu rosto era apenas um traço luminoso, o da lâmpada acesa. Denúncia. Imaginava, enquanto não podia, quais imagens deveria ostentar o cômodo úmido. Pensava em arte, revirava os olhos e a boca soltava rajadas de ar, quebrando a harmonia da suavidade da noite; a vela largada na rua fria. Deixava-se esquecer naqueles pensamentos. A porta, porém, partiu a ponte entre a cova e o inferno. Saiu de lá a figura sua conhecida, com as gotas na pele dos braços, igual orvalho, e a toalha cobrindo dos seios até pouco acima dos joelhos. E o rosto — mas quebrou-se: uma mão grande, enrugada, foi avistada na janela. O grito e a fuga.