Nut - Capítulo II

II

Demétris acordou com uma dor esquisita na coluna. Levantou-se e foi à cozinha. Seus pais já haviam ido para o trabalho. Estava só, como em quase todas as manhãs de suas férias.

— Que ótimo...

Falou enquanto abria a geladeira e via tudo vazio.

Trocou de roupa, escovou os dentes e saiu. Dobrou a primeira esquina do centro movimentado onde seu apartamento ficava.

Chegou à lanchonete gordurosa do Homero.

— O que vai querer, o de sempre? – perguntou um homem gorducho com um avental engordurado.

— Sim... O de sempre, por favor.

O homem se retirou, sem ao menos tocar no seu caderno de pedidos. A pequena lanchonete estava lotada. Homero era o único que trabalhava lá. Dividia-se em dois, em três, às vezes em quatro, para atender, anotar, preparar os pedidos, servi-los e receber o pagamento por eles.

— Vocês viram que coisa horrível? – uma mulher falava com seus colegas na mesa ao lado de Demétris, atraindo a atenção de todos ao redor.

Ela continua com cara de espanto:

— Mais uma prostituta foi encontrada morta... Essa cidade está um caos. Não dá para andar nas ruas com segurança...

Demétris ouvia a conversa sem interesse; pessoas eram assassinadas todos os dias em grandes metrópoles. Era realmente triste, mas já deviam estar todos acostumados a isso.

— Ainda pior – a mulher continua, exibindo para seus colegas uma página de destaque do jornal do dia. – O corpo estava sem uma gota de sangue... Isso mesmo, sem uma gota de sangue... E alguns órgãos internos também desapareceram! E tudo que havia no cadáver eram alguns pequenos orifícios em baixo das axilas e nas virilhas... Estranho, não?

— Casos assim acontecem com ovelhas a todo o tempo na América central e até aqui mesmo, na América do sul – Homero falou, enquanto servia o café-da-manhã a Demétris.

— Vai me dizer que o chupa-cabras está atacando mulheres na cidade agora? – perguntou Demétris, incrédulo.

— Não sei, não acredito nessas coisas.

Disse o homem, antes de se dirigir à outra mesa.

***

O quarto parecia um chiqueiro. Livros estavam espalhados pelos quatro cantos do cômodo único. Havia uma cama velha de madeira sob uma janela que parecia nunca ter sido aberta. Ao lado da cama havia uma cadeira de balanço estilo colonial. Nela, um senhor se balançava enquanto fumava um fedorento cigarro feito manualmente com fumo de rolo. Seu olhar era pesado e várias rugas se espalhavam pelo seu rosto. Uma barba esbranquiçada também se fazia presente. Quem o visse diria tratar-se de um eremita.

Os raios de sol da manhã adentravam pelas brechas da janela de madeira. Ele se balançou mais, de modo a deixar que os raios solares tocassem de quando em quando seus pés calçados com sandálias de tiras.

Cantarolou baixinho entre uma tragada e outra:

— “Bicho papão saia de cima do telhado... Deixe-o dormir o seu soninho sossegado...”.

***

A noite desabou rápido... O toque de recolher fora instaurado. Não oficialmente, mas as pessoas, as mulheres principalmente, estavam evitando sair de suas casas à noite. O assassino vampiro que suga o sangue e as tripas de suas vítimas estava à solta ainda e ninguém queria se arriscar a sair.

— Que ótimo... Hora extra... – Demétris desligou o telefone indignado. – Hora extra numa sexta-feira? Que droga!

Demétris não gostava quando isso acontecia, mas quase sempre ficava só no apartamento nas noites de sexta-feira, quando seus pais faziam hora extra.

Ligou a televisão e deitou-se no chão. Olhou ao redor e viu que estava tudo muito bagunçado. Culpa dele, na verdade. Pensou em pegar uma vassoura e varrer tudo, mas logo desistiu da idéia e adormeceu escutando a pregação de um pastor em um programa evangélico.

“Bicho papão saia de cima do telhado... Deixe-o dormir o seu soninho sossegado...”.

O baque estrondou o chão da sala onde Demétris dormia. O relógio marcava 3 da madrugada.

O jovem abriu os olhos remelentos e a TV estava desligada. A luz da sala mantivera-se ligada. Mas e aquele barulho que o acordara? Ele olhou para a janela da sala e viu pela vidraça a noite negra entrecortando os outros prédios da cidade. As estrelas estavam cintilantes, mas com um brilho estranhamente gelado.

Ele abriu a janela e deixou que o vento frio terminasse o trabalho de lhe despertar.

“Bicho papão...”

Balançou a cabeça tentando se lembrar da cantiga de ninar que escutava quando era criança, mas por que acordara com ela na cabeça?

— Hã!

Esfregou os olhos.

Um vulto negro pulava entre os prédios ao longe, um vulto quadrúpede.

Demétris não conseguia acreditar no que seus olhos viam; não dava para distinguir ao longe, mas parecia um animal pulando, quase voando, entre os edifícios.

“Saia de cima do telhado...”

A cantiga ressoou mais alto em sua cabeça.

O vulto se precipitava para o prédio de Demétris. O rapaz percebeu a mudança de direção do ser e se adiantou em trancar a janela.

O baque na vidraça a fez rachar, Demétris sentiu pelo ruído de vidro quebrando que escutou.

Fosse o que fosse a coisa estava lá fora, no peitoral da janela de seu apartamento.

O que fazer?

“Deixe-o dormir o seu soninho sossegado...”

Os pais! Procurou o telefone. Foi quando viu a porta do quarto de casal aberta. Eles estavam lá, dormiam profundamente.

Como podia ser possível, um ser alienígena, talvez, tentando invadir o apartamento e eles lá, dormindo tranquilamente? Demétris chegou a sentir raiva.

Precipitou em acordá-los imediatamente.

— Demi! Ajude-me! Eu vou cair!

O jovem estagnou. Reconhecia aquela voz de algum lugar.

— Por favor, abra a janela.

— Quem está aí?

— Eu. Não se lembra de mim?

Ele foi caminhando lentamente em direção à janela. O coração aos pulos.

— Por favor, vim de muito longe só para vê-lo novamente...

Não houve mais receio, Demétris achava que sabia quem era e assim que abriu a janela teve certeza ao ver o corpo despido de garota pular sobre ele, abraçando-o fortemente.

— Enfim descobri onde você se escondeu durante todo esse ano, meu anjinho...

O sorriso branco da garota era doce e cativante, mas seu hálito, Demétris sentiu, era de sangue.

Continua...