Nut - Capítulo I

I

A noite se estendia até o horizonte, onde se encontrava com o mar. As estrelas brilhavam de maneira fria no firmamento. Sobre a falésia, Demétris podia ver a luz de um farol piscar, incansável, de instante em instante.

Seus passos foram se encaminhado para a borda barrenta da falésia. Lá embaixo, só o mar, a praia, tudo fracamente iluminado.

Sentiu a terra, em erosão, deslizar sob seus tênis; estava na borda, no limite daquela barreira, o limite entre a vida e a morte.

Sentiu a maresia, misturada ao vento frio noturno, esbarrar em seu rosto. Um singelo sorriso despontou em seus lábios, mas aquilo não indicava que ele desistira de seu intuito.

Mais um passo, apenas mais um passo...

Um grito.

— Socorro!

Demétris olhou ao redor.

— Por favor! Alguém me ajude! Eu vou cair!

O rapaz olhou para baixo, ainda consciente de que estava a alguns centímetros de ir de encontro à areia da praia.

— Ah!

Demétris olha para esquerda e vê um vulto, quase indistinguível, segurando-se à parede da falésia. Se alguém estivesse vendo da praia, certamente diria tratar-se de uma gigantesca aranha subindo a falésia, ou pior: do lendário demônio dos coqueiros, lenda tão temida pelas crianças daquela baía.

— Oh! Por favor, alguém me ajude!

Demétris hesitou por um tempo, mas em seguida, como se aquele vento frio somado à maresia, tivessem lhe dado um tapa na cara, corre para a parte de onde vinha o pedido de ajuda.

— Você pode me ouvir?

Perguntou o jovem, de joelhos sobre a borda da falésia.

— Oh! Graças a Deus! Tire-me daqui!

Só agora a voz parecia mais humana aos ouvidos de Demétris. Não só humana, como jovem e feminina.

— Por favor, não se mova – Demétris ainda hesitava, nunca fora um bom líder e quase sempre não sabia como agir em momentos de urgência. – Eu vou chamar ajuda!

De súbito, um pequeno deslizamento ocorre bem do lado de Demétris, as pedrinhas batendo naquela figura que pedia ajuda a pelos menos, um metro e meio da borda da falésia.

— Eu não estou conseguindo mais me segurar!

Demétris olhou a sua volta, assustado, ou melhor, desesperado, a idéia de uma outra pessoa morrer porque não foi possível ajudá-la lhe deixava ainda mais atordoado.

Por fim, como que agraciado com uma visão divina no meio daqueles coqueiros, que se erguiam e balançavam (alguns já bem inclinados) devido ao vento, o rapaz saltou para trás e pegou uma enorme palha daquelas árvores. Encostou-a na borda do desfiladeiro e olhou em volta; havia um frondoso cajueiro esparramado por aquela área quase chegando à linha-limite da falésia. Abaixou-se num dos troncos que se erguia e se enchia de folhas mais acima (parecia mais com um grande arbusto) juntou os pés e prendeu-os num dos troncos, com vários nós nos cadarços dos tênis em volta do caule do cajueiro (sempre fora bom em nós, principalmente quando feitos em cordas, mas não dispunha de uma naquele momento, pena). Deitou de bruços no chão, a cabeça pendendo para o desfiladeiro, agarrou fortemente a palha firme que pusera ali e a pôs imediatamente para baixo.

— Pegue!

— Isso é seguro?

Demétris sentiu um frio ainda maior na espinha ao escutar aquela indagação. Obviamente não sabia se aquilo era seguro, mas era aquilo ou nada. Respondeu em seguida:

— Apenas segure e...

A voz entalou em sua garganta. A pessoa lá embaixo parecia ter percebido e continuou calada, à espera do restante da frase.

—... e confie em mim!

Dessa vez as palavras soaram estranhamente aos ouvidos de Demétris. Nunca se imaginou mais uma vez naquela situação: passar confiança, algo tão escasso dentro de si mesmo, para uma outra pessoa. Isso chegava quase ao patamar de uma piada.

Ele sentiu o peso na palha de coqueiro puxando-o para baixo. Segurou com ainda mais firmeza, sentido suas mãos cortarem.

Foi rápido, num minuto o rapaz estava buscando uma força inumana, forçando os joelhos no chão, possivelmente abrindo feridas geradas pelo atrito da calça jeans sobre eles. No minuto seguinte, ele estava erguido e uma figura, cabelo ao vento, surgia à beira da falésia.

— Ajude-me...

Passado o choque inicial (havia algo de muito perturbador em ver uma garota esgueirando-se à borda de uma falésia de mais de vinte metros), correu para auxiliá-la a subir de vez.

Já em segurança, o jovem pôde ver melhor a pessoa a quem salvara a vida e essa idéia parecia ainda não ter entrado em sua cabeça. Ela estava arfando, a escuridão não permitia ver maiores detalhes, talvez tivesse 16 anos, os cabelos pareciam muito negros, mais negros que a penumbra natural da noite.

— Obrigada!

Ela pula sobre Demétris, abraçando-o com muito fervor, cobrindo a sua face com beijos molhados.

— Você é um anjo! O meu anjo da guarda!

— Calma – Demétris estava sufocando com tanta gratidão, mas sentia os seios da garota roçarem incansáveis em seu corpo.

— Você é o meu anjinho...

— Calma aí! – ele a afasta de seu corpo abruptamente. – Eu não sou um anjo coisa nenhuma! To muito longe disso...

A garota para, parecendo chocada com aquela revelação. Demétris pensou até ter visto, nesse momento, os seus olhos faiscarem de uma maneira indescritível, talvez maléfica, ou talvez apenas zangada.

— Acredite em mim: você poderia ter sido salva com mais eficiência por outra pessoa.

Demétris vira-se e caminha para os coqueiros.

— Não sei o que você estava fazendo lá embaixo, mas é muito bonita para querer se matar... Vá pra casa.

— Espere! Você...

— Eu também estou indo agora.

No outro lado da falésia, numa estrada de barro, um carro vermelho.

— Meus pais estão me esperando – ele diz, apontando para a estrada.

— Eu preciso lhe agradecer – ela grita, mas o outro já desaparecera.

Minutos depois, o carro desce pela estrada.

— Demi...

A jovem vira-se e contempla o mar, pensativa.

— Meu anjo da guarda... Em breve tornarei a vê-lo.

Continua...