Morto ao chegar

Estávamos eu e Remi no arquivo, selecionando antigas fotografias de autópsias para digitalização, quando ela me passou um envelope pardo carimbado "CONFIDENCIAL".

- Veja que interessante - anunciou com um meio sorriso.

- De quando é isso? - Indaguei, ajeitando os óculos.

- Foi catalogado em 1982, mas as fotos são reproduções de originais da I Guerra Mundial... 1917, creio.

Sim, as fotos eram de 1917, constatei; mais especificamente, de 29 de outubro de 1917, e haviam sido feitas provavelmente com uma ICA Minimum Palmos, uma câmera fotográfica profissional muito usada por oficiais do exército britânico na Frente Ocidental. Mas aquelas fotos não eram da Frente Ocidental. E também não eram de uma autópsia, embora exibissem um corpo.

- Gaza? - Ergui os sobrolhos.

- Gaza estava cercada pela Força Expedicionária Egípcia... que era basicamente nosso pessoal, mais tropas auxiliares egípcias e indianas - explicou Remi, lendo a cópia amarelada de um relatório datilografado. - Estavam bombardeando a cidade para expulsar os turcos otomanos, e na noite de 28 de outubro, uma patrulha da FEE fora das muralhas testemunhou um estranho fenômeno: um clarão azulado em meio a alguns rochedos. Foram ver do que se tratava e descobriram o corpo da foto, caído ali, mas sem ferimentos aparentes. Exceto que os olhos haviam sido arrancados.

- OK, isso é mesmo misterioso. Um homem caucasiano, cerca de 25 anos de idade, completamente nu, sem sinais de exposição ao sol ou de ferimentos nos pés. Como ele chegou lá? - Questionei.

- O relatório não dá nenhuma pista - admitiu Remi. - Mas descarta a hipótese de que tenha caído de um aeroplano ou balão de observação.

- E então, levaram o corpo para autópsia - deduzi.

- Sim, e ele foi deixado no necrotério do acampamento, mas o médico responsável não estava. Quando ele chegou, horas depois, o corpo já havia desaparecido.

Ergui os sobrolhos.

- Imagino que a vigilância num necrotério deva ser pouca ou nenhuma.

- Se está se referindo a hipótese de que alguém tenha roubado o corpo... não há como saber - disse Remi. - Abriram um inquérito e não se chegou a nenhuma conclusão.

- Bem, essa hipótese é melhor do que imaginar que o morto levantou e saiu andando de volta para o lugar de onde veio - avaliei.

- Não, essa não é uma hipótese aceitável - disse Remi.

- Mas creio que, ao menos, podemos deduzir algo que os investigadores de 1917 deixaram passar batido - observei.

Remi pousou o relatório sobre a mesa e indagou:

- E que seria... ?

- O morto não era judeu - repliquei, exibindo uma fotografia em papel brilhante, 9x12 cm.

- Ah... ele não foi circuncidado - constatou Remi, exibindo seu meio sorriso característico.

- Se ele era um viajante do tempo, algo deu terrivelmente errado - concluí, recolocando as fotos no envelope.

- [26-10-2023]