A Casa das Sombras

Era uma noite gélida de sexta-feira, no auge do inverno. O frio não era insuportável, mas algumas pessoas usavam casacos pesados para se proteger do vento cortante. Carol, apesar de preferir o calor, sentia uma estranha serenidade no ar frio que lhe acariciava o rosto enquanto olhava pela janela do carro. Ela, seu marido Roger e o filho adolescente Alex estavam em uma viagem rumo a uma casa de campo que haviam alugado para passar o fim de semana.

"O que é aquilo?" – Roger apontou para o horizonte.

Carol franziu a testa. "Não estou vendo nada", respondeu, olhando na direção indicada por Roger.

"Acho que é uma figura humana, lá adiante, na estrada. Que coisa estranha. Vou reduzir a velocidade para evitar..."

Roger foi interrompido abruptamente por um estrondo ensurdecedor quando algo colidiu violentamente no para-brisa do carro. Agiu instintivamente, freando com força, e por alguns segundos, perdeu o controle do veículo, que girou várias vezes antes de finalmente parar.

Desceu do carro e correu em direção ao objeto que havia causado o impacto. No chão, encontrou um abutre morto e repugnante. Uma sensação sinistra percorreu sua espinha enquanto encarava a ave morta. Com passos lentos, voltou ao carro. Felizmente, Carol e Alex estavam ilesos, sem ferimentos. O para-brisa do carro estava trincado, mas era o único dano visível. Roger olhou novamente na direção da figura que tinha visto na estrada, mas agora não havia nada além da escuridão.

Continuaram a viagem por mais duas horas até que finalmente chegaram ao destino. A primeira coisa que chamou a atenção deles foram as árvores que cercavam o local; despidas de folhas, suas formas retorcidas inspiravam um profundo sentimento de melancolia.

"Que lugar tenebroso. Nas fotos do site, parecia bem diferente", comentou Roger, observando o ambiente ao redor.

"Meu Deus, estou com calafrios só de olhar para isso. Dois dias aqui vão ser uma eternidade!" exclamou Alex.

"Já pagamos pelo aluguel da casa, então vamos ficar. Vamos superar essa primeira impressão", declarou Carol, desbloqueando a porta da casa. "Se vocês acharam ruim por fora, esperem até verem por dentro. Até eu quero partir daqui", acrescentou com uma careta.

Roger adentrou a casa e logo entendeu a indignação de sua esposa. O interior exalava um odor desagradável, os móveis estavam deteriorados, as paredes manchadas por tintas de cores variadas. O piso era de cimento vermelho, repleto de rachaduras. Os três decidiram que não podiam permanecer naquele lugar e voltaram para o carro. Porém, no momento em que tentaram partir, algo no motor estourou e uma nuvem de fumaça emergiu da frente do veículo. O medo os dominou: era noite, estavam no meio do nada e o carro não funcionava.

"Teremos que passar a noite aqui. Amanhã, vou pedir carona até a cidade mais próxima e procurar um mecânico", disse Roger, resignado, enquanto abria a porta do carro.

Horas tediosas se passaram até que todos finalmente fossem dormir. No meio da noite, Alex acordou subitamente, sentindo que alguém se deitava em sua cama. A escuridão era total, impossibilitando qualquer identificação visual. Ele questionou, em voz trêmula, quem estava ali, mas a presença permaneceu silenciosa. Uma mão fria tocou seu rosto, enchendo-o de terror. O medo era esmagador, tornando quase impossível respirar. Alex sabia que aquela mão não pertencia aos seus pais, mas estava paralisado pelo temor.

"Tão macia e limpa é a tua pele... mas isso logo acabará", sussurrou a voz de uma mulher idosa.

Sua voz era arrepiante, e pelo tom, Alex percebeu que a mulher era muito velha. A adrenalina correu por suas veias, e ele rapidamente acendeu uma vela no criado-mudo ao lado de sua cama. Ao olhar para a figura que repousava ao seu lado, seu terror atingiu seu ápice. A mulher era grotescamente idosa, e onde seus olhos deveriam estar, apenas buracos vazios encaravam Alex. Ele gritou, e segundos depois seus pais entraram correndo no quarto, testemunhando a cena aterradora.

"Saímos desta casa imediatamente", gritou Roger, com pavor em sua voz.

Os três correram para a sala de entrada, mas pararam abruptamente ao chegar lá. Bloqueando a saída, estavam a mulher idosa e dois homens jovens, igualmente desprovidos de olhos e com a pele acinzentada, vestindo trapos sujos e antigos.

"O que vocês querem?" – gritou Carol, com a voz trêmula.

Um dos homens apontou para o teto. Os três seguiram o gesto e viram, pendurados pelo pescoço, três corpos enforcados e inertes. Alex começou a chorar e se apegou aos pais.

"Não tenham medo, meu filho", disse Roger, enquanto puxava uma corrente que pendia de seu pescoço.

Roger estendeu a mão, exibindo um pingente no final da corrente. A mulher idosa soltou um grito angustiado, abrindo a boca como se fosse engoli-los, e de seus olhos vazios brotou fogo. Os dois homens grunhiram e correram para trás da mulher, que continuou a abrir a boca, como se estivesse prestes a consumi-los.

Os três começaram a recuar em direção à porta principal, Roger ainda segurando o talismã que agora brilhava fracamente. Os fantasmas recuaram, mantendo distância. A mulher idosa emitiu um grito de ódio e, subitamente, milhares de abelhas começaram a emergir de sua boca, rodeando a família. No entanto, nenhuma delas ousou tocar nos três. Alex finalmente abriu a porta e saíram da casa.

"Meu Deus", exclamou o jovem, atônito.

Ao olharem para trás, viram centenas de fantasmas, não espíritos malignos, mas almas aprisionadas. Carol lamentou por eles, mas não havia mais nada que pudessem fazer. Continuaram andando, cercados por abelhas e espíritos, até alcançarem a cerca que separava a propriedade do restante do mundo. Os três fantasmas ainda os seguiam, gritando e tentando alcançá-los. Quando cruzaram a cerca, o silêncio se abateu sobre o ambiente, e o único som que se ouvia era o canto dos grilos e o sussurro do vento. Olharam para trás e viram que o lugar estava vazio; a única coisa que se destacava era o seu carro.

"Deixe esse carro velho aqui", sugeriu Roger, com um sorriso irônico para a esposa.

"O que é isso que você tem aí?", perguntou Alex, apontando para o pingente no pescoço do pai.

"Eu visitei uma tribo indígena quando era criança, acompanhado por meu pai. No fim da visita, o líder da tribo me convidou para participar de uma cerimônia especial. Meu pai aceitou, e eu dancei e comi com eles. Ao final, o líder me presenteou com este talismã de madeira e explicou que ele é um protetor contra espíritos malignos, devendo ser usado sempre que saísse da cidade."

Enquanto se afastavam da propriedade, olhos flamejantes os observavam pela janela da casa. A velha só podia aguardar por novos visitantes.

Ao chegarem à cidade mais próxima, compartilharam o que haviam vivenciado com alguns moradores locais. Eles explicaram que a casa pertencera a uma bruxa que fora queimada na fogueira pelos habitantes da região há mais de trezentos anos. Dizia-se que o espírito maligno da bruxa ainda persistia na casa, espalhando maldade pelo local. Ninguém ousava entrar ali, e a casa permanecia abandonada. Com a chegada da noite, afirmavam que era possível ver a velha bruxa dentro da casa, convidando incautos a entrar.

Drapion
Enviado por Drapion em 14/09/2023
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