Suplantação noturna
Caminhou da sala para o quarto. Estava decidido naquela noite. Ficou parado perto da porta por alguns instantes. Convicto, deslizou a mão pela parede e apertou o interruptor, apagando a luz do quarto. Toda a casa ficou escura, pois, já havia feito o mesmo nos outros cômodos. Após ajustar sua visão ao escuro, andou até a cama e sentou nela. Ficou alguns minutos apreciando a escuridão que se fazia presente. Observou cada sombra e todos os detalhes ali contidos. Ignorou tudo que outrora lhe causava intenso medo, inclusive o tenebroso balançar da árvore no quintal, que podia ser visto pela janela e que gerava visões esquisitas e ameaçadoras, assim como os móveis e objetos do quarto que, na escuridão, pareciam não ser o que eram. Deitou e contemplou o teto até se concentrar para orar. A oração não era exatamente por medo, afinal, estava em estado tranquilo e tinha sempre esse hábito. Ignorou a sensação de não estar sozinho enquanto orava e, após terminar, ficou mais um tempo olhando para o teto até se cobrir, não demorando muito até dormir.
Não teria como afirmar se já havia expurgado todos os temores que tinha, se acreditava que estava imune caso tivesse alguma coisa a espreita por ali ou se passou a crer que tudo que sempre o assustou eram apenas fantasias da mente. Mas conseguiu chegar no ponto onde desejava intensamente há muito tempo, algo que aconteceu com naturalidade e que apenas foi possível pelo transcorrer aliado a sua fé, que trabalhou seu interior. Ele sabia que poderia parecer uma bobagem para outras pessoas, mas para ele era uma vitória o fato de, enfim, romper o medo que lhe dominava; e após muitos anos, finalmente, conseguiu voltar a dormir com a luz apagada.