Desordem

Foi naquele início de primavera. As flores começavam a renascer de forma única. Assim como sempre, partira para meus afazeres. Nada, como de costume, poderia retirar as tarefas de seu devido tempo, de seu devido lugar. A paz que possuía me levava a ter calma e paciência para fazer as coisas corretamente. Tudo era milimetricamente pensado a fim de que tudo desse certo. Enfim, não era algo que me desse trabalho ou me tirasse o ânimo; afinal, eu gostava de tudo a seu jeito.

A cidade em si permanecia a mesma. As pessoas mais pareciam invisíveis ou apáticas para qualquer senso de mudança positiva. No entanto, seus cidadãos vinham apresentando diferenças de comportamento. Começaram a agir de maneira estranha. Parecia que eu era estrangeiro nesse local; comecei, assim, a apresentar dificuldsde em reconhecê-lo. Há algum tempinho os prédios mudavam constantemente seu aspecto. Passaram a ter um contorno mais sombrio, e seus políticos, um ar mais asqueroso

Embora essa realidade fosse cada vez mais presente na vida dr todos, as pessoas não tinham senso de verdade. Tudo o que mais importava era sobreviver às ordens do dia, caso contrário o destino poderia ser mais trágico ou, no mínimo, mais torturante. Especificamente, naquele dia, assim que o despertador tocou, pareceu que eu tinha acordado de um mal súbito. Não sabia como de fato eu havia parado lá, como tudo tinha ficado numa desordem inimaginável. Mesa e cadeira reviradas, copos e pratos quebrados, roupas espelhadas pelo chão, relatos de comida na pia e alguns copos com resto de uma bebida que eu não conseguia reconhecer, mas com um cheiro insuportável que, mesmo de longe, me dava náuseas.

Apesar da vontade, não conseguia me levantar. Mais parecia que um trator havia passado por cima de mim. Fiquei uns minutos e olhei para o relógio. Eram 11h da manhã. Nunca acordará tão tarde em plena segunda. Mesmo com tamanha preocupação, não conseguia sair da cama. Quando me dei conta, estava com os pés e mãos amarrados. Fiquei atônito, agoniado. Tentei de várias formas quebrar as correntes. Nenhum sucesso. Comecei a gritar como única forma para pedir ajuda. Nada. Após 10 minutos, três homens entraram no recinto. Eu questionei:

- O que houve? Quem são vocês?

- Calma, Pedro. Tudo vai ficar bem - desse um deles.

- Suas alucinações pioraram ontem. Não tivemos escolha.

- Mas... não entendo. O que aconteceu? Me digam - ordenei com certa impaciência ao mesmo tempo em que gritava. Enquanto isso, entrou um homem de branco. Um médico. "Dr. Xavier" estava escrito no seu jaleco branco. Ele disse:

- Não temos outra solução. O que está feito não tem conserto. Apliquem.

Os outros homens saíram. Quando retornaram, trouxeram uma maleta. Abriram. Uma seringa com um remédio estranho. O médico disse para um deles:

- Segure-o.

O desespero bateu. Tentei me desamarrar, mas o homem era forte. Enquanto isso, o outro suspeito me aplicou a injeção. Apaguei na mesma hora.

Ricardo Miranda Filho
Enviado por Ricardo Miranda Filho em 24/07/2023
Reeditado em 09/04/2024
Código do texto: T7844795
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