A MANSÃO E O GATO PRETO
Todos os dias passávamos em frente a ela quando íamos para escola. Eu, como que hipnotizada, não tirava os olhos da mansão. Uma estrutura grande, tons de marrom e amarelo fosco, com enormes janelões e portas enormes bloqueadas por estacas fixadas com pregos. Não sei quem morou ali. Quando viemos morar na rua 9, há cinco anos, a mansão já estava abandonada. Diziam até que era mal assombrada, que era possível ver vultos no andar de cima, nas janelas. Por isso, eu não desgrudava o olhar, na esperança de ver algo. Certo dia estávamos eu, a Vanessa e o Gustavo conversando quando de repente entramos no assunto da mansão.
- Vocês teriam coragem de vasculhar o terreno da mansão da rua 9? – Perguntei a eles com curiosidade,
- Oh Amélha, que fixação é essa por aquele lugar? Não tem nada ali para encontrar. - Guto resmungou aborrecido.
- Verdade! – Ajudou Vanessa. – Embora, confesso que tenho uma certa curiosidade. Será que os móveis ainda estão intactos? Ou tem uma banheira do século XVII? – Falou toda empolgada.
Ficamos debatendo o assunto por quase duas horas. Por fim conseguimos convencer o Gustavo a ir com a gente no sábado a tarde, quando a rua está mais tranquila e ninguém irá atrapalhar nosso plano: invadir a mansão da rua 9.
Enquanto não chegava o sábado, resolvi ir na biblioteca da cidade em busca de informações sobre a mansão abandonada. Entrei e encontrei a D. Lola, bibliotecária há mais de uma década. Como eu tinha o hábito de leitura, ela não estranhou minha presença ali. Pedi autorização e fui direto para o computador.
Vasculhei com cuidado, porém o máximo que encontrei foi uma foto antiga da fachada da casa. “Interessante!”, pensei. Ela estava com a mesma pintura e muitas flores no jardim. A data da foto era de 1960. Poxa, bem antiga mesmo. Em baixo da fotografia tinha os nomes dos proprietários: Joaquim Figueira e Rosalinda Figueira. E só. Bem, resolvi ir para casa, pois já estava tarde. Preferi ir a pé. Enquanto caminhava, decidi atravessar a rua e passar em frente a mansão, bem devagarinho a observá-la atentamente. Algo peculiar chamou minha atenção, havia um gato preto em cima do muro. Ele olhava para mim sem piscar. Que estranho, os olhos dele brilhavam e conforme ia me aproximando, ele exalava um cheiro ruim, de podre. Apressei os passos e corri para casa, eufórica e assustada.
-O que é isso menina? Quase atropelou o cachorro. – Resmungou mainha assim que entrei. – Parece que viu assombração.
- Não foi nada, apenas assustei-me com um gato da rua. – Respondi e subi para meu quarto.
Imediatamente fiz uma chamada de vídeo para Vanessa e Guto, precisava contar para eles o susto que levei com aquele gato preto. Ao terminar o meu relato, Guto falou:
Espera aí, o seu João tinha um gato preto que vivia passeando nas calçadas da rua. Muitas vezes ele não parava de chamá-lo. – Ficou um pouco pensativo – De uns tempos para cá ele não tem mais chamado o gato, pelo menos eu não o vi mais.
Será que é o gato de seu João? – Fiz uma pergunta retórica. Ficamos calados por alguns minutos. Combinamos de nos encontrar às 16h em frente a mansão.
[...]
Finalmente já sábado à tarde. Coloquei uma calça de sarja nude com uma blusa de alcinha larga rosa e um boné para o caso de alguém conhecido passar e não correr o risco de ser reconhecida. Sai de casa exatamente no horário combinado. Minha casa ficava a alguns quarteirões da mansão. E pelo visto, fui a primeira a chegar. Ali parada a contemplar a frente a do casarão e lembrando das fotos vistas lá na biblioteca ontem, com exceção da cor, o restante está igualzinho. De repente senti um vento gélido soprar. Arrependi-me de não ter levado um casaquinho. Quinze minutos e nada deles. Rua deserta, vento a soprar e um calafrio começou a percorrer meu corpo. Fechei os olhos por um segundo, escutei uns passos, olhei assustada e vi que eram eles.
- Até que enfim, né! Exclamei meio eufórica. – Já estava achando que não viriam.
- Foi a Vanessa na indecisão se trazia o casaco ou não. – Respondeu Guto.
Fomos para a parte mais baixa do muro de quase dois metros. Subimos numa árvore próxima e de um por um, fomos saltando para a parte de dentro do terreno. Estava cheio de matos. Ao lado do casarão a piscina vazia cheirava a lodo. Escutamos barulhos de girinos e uma coruja passava bem na hora soltando o seu chirriar sobre nossas cabeças.
- Aff! Fiquei toda arrepiada! – Falei olhando para cima.
- E dizem os mais velhos que quando ela passa fazendo barulho, não é um bom presságio. – Gustavo falou todo encabulado.
Arrodeamos o casarão em busca de alguma abertura, sei lá, ou alguma brecha. Contudo, alguém havia colocado tijolos nas janelas e nas portas laterais pedaços de madeira fixados com pregos. Em outras palavras, era impossível entrarmos naquela mansão. Depois de termos andado em círculos, sentimos um cheiro forte de podre, igual o que eu senti mais cedo. E o vento frio também.
- UUUUUUhhhhhh, que frio! – Vanessa exclamou encolhendo-se. - E que catinga é essa? Não estava fedendo quando entramos.
- Foi esse fedor que senti quando passei mais cedo por aqui. – Respondi. – E não acredito que foi em vão nossa invasão. Vamos sair sem nada daqui. Nada!
Chegamos próximos ao muro já nos preparando para subir e irmos embora, um barulho, como se fosse uma risada, foi ouvido próximo a uma das entradas da casa. Uma ala que se estendia do terraço e ia em direção ao que outrora foi um jardim. Paramos e ficamos ali por alguns segundo sem saber se iriamos ver ou não.
- Vamos lá ver o que foi isso. O barulho ou a risada veio do lado direito. – Falei já saindo de perto sem esperar pelos outros.
- Calma aí Amélia, já irá escurecer e não vamos vacilar. – Disse em vão o Guto – Ei, espera por nós. – Foi obrigado a ir atrás dela junto a Vanessa.
Quando chegamos próximo ao provável lugar da possível risada, o mal cheiro estava realmente insuportável, o vento frio ressurgiu e veio mais forte. Havia uma porta de vidro, mas estava protegida por tábuas de madeiras. Enquanto eu verificava se alguma delas estava solta, senti algo pingando sobre nossas cabeças, uma gosma rala fétida. Um miado foi ouvido de cima, na varanda. Olhamos para cima e lá estava ele a olhar-nos com o se tivesse chamas nos olhos, o gato preto. No mesmo instante algo passou correndo entre a gente e o gato saltou sobre nós e caiu bem a nossa frente.
- Meu Deus, mãe santa, que coisa é essa em cima de mim? – Gritou o Guto assustado e todo sujo da gosma fedorenta. – O que foi isso que caiu?
- Foi o gato e acho que o fedor vem dele. Vamos ver se ele morreu com a queda, pois, a carniça vem dele. – Respondi, segurei nas mãos dos dois e fui ver o bendito gato.
- E alguma coisa passou correndo bem aqui, na hora que o animal caiu. – Vanessa falou aos prantos de medo.
Devagarinho, fomos chegando mais perto, e mais peto do gato. Pedi para Vanessa acender a lanterna.
- Acho uma péssima ideia, vamos voltar. Ainda dá tempo de irmos embora. – Vanessa estava apavorada. – Tem mais alguém aqui, tenho certeza!
Segui apesar das reclamações. Tomei o celular das mãos dela e mirei no intruso. O que vimos foi estarrecedor. O gato preto estava todo estraçalhado, como se tivesse sido atacado por outro animal. Aquilo não foi da queda. A pata dianteira direita dele só tinha o osso, foi arrancada, o focinho estava pela metade em carne viva. Quando de repente, ele abre os olhos vermelhos como brasas e fica em pé. Não esperamos para saber o resto. Corremos feito uns desesperados, tropeçando no que tinha pela frente.
- AAAAAHHHHHH, socorro! Um monstro! Corre senão seremos devorados por ele. – Guto gritava enlouquecido. hora passava a frente, hora ficava para trás.
Em nossa aflição chegamos ao muro e antes de dar impulso para subir, olhei para trás e o que vi foi inacreditável. Paralisei. O maldito gato estava vindo em nossa direção mesmo sem uma das patas e com a barriga aberta; miando feito um doente. E bem ao lado dele tinha algo flutuando, mexendo-se no ar.
MAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUUUU!!!!!
- Amélia, Amélia, sobe antes que ele alcance você. – Guto puxou o meu braço e pulamos o muro.
Saímos correndo dali, fedendo a carniça e ainda por cima morrendo de medo daquele gato zumbi e da coisa que estava com ele. Cada qual foi para sua casa e passamos alguns dias traumatizados e sem coragem de falar sobre o ocorrido.
Mas por sorte do destino fiquei sabendo que o gato preto do vizinho da esquina, seu João, realmente havia sumido e que depois descobriu-se que havia sido atacado por um rottweiler. Apareceu morto no quintal da casa dele.
- Mãe, sabe dizer quando que o gato do seu João apareceu morto? – Perguntei só por curiosidade.
- Foi na sexta da semana passada!
- O quê? Não pode ser! - Neste exato momento sinto um mal estar, minha vista escurece e... – Acho que vou desmaiar...
DÉBORA ORIENTE