Brutalidade (microconto).

Seria uma simples conversa, para ajeitar as rédeas, por as coisas no lugar; enfim, resolver o problema. Meu pai surgiu no meu portão, contando tudo, que o vizinho era um canalha, que ia derrubar a árvore de qualquer jeito, que não era problema dele se quebrasse alguma coisa, que a culpa era de meu pai por não ter tirado antes... Sabe, né? Ele já com uns 70, vivendo com mãezinha, contra um cara de quase 40, bem maior, policial... Me chamou, moro na outra rua, pra ver se dou jeito n'algo. Estava com ele, no meio do calçamento, ouvindo tudo. O quintal era aberto e possuía a tal árvore, vilã, cujos galhos invadiam um pouco o outro terreno. O problema, mesmo, era porque surgiram umas tais aranhas lá, daquelas peludas, e, danadas, iam parar lá na casa do vizinho. Já ouvira essa conversa antes, a reclamação, mas a planta já estava ali há tantos anos, quase um ente da família, do lugar, uma força. Eu mesmo brinquei ao pé dela, demos até nome. Cortar? Assim? Poderíamos, ao menos, colocar algum veneno, algo do tipo, pra espantar as aranhas; propus, de ideia soprada. Mas não deu, parecia peste. O tempo foi indo, e as coisas continuando — daí ele partiu pra ameaça. Dizia minha mãe que, vez ou outra, ouvia ele falar que, qualquer hora, ia derrubar, que era uma falta de respeito, e, quando muito, até xingava. Nesse dia, meu pai ia contando que o vizinho surgiu já com a serra, invadindo a área, falando que se não cortasse a tal, cortaria era ele. Eu ouvia tudo, e sentia algo ruim; quem era ele pra isso dizer? Como pode falar isso pra um senhor? Tentei manter a calma. As últimas notícias avisavam coisas assim: pessoas destemperadas são capazes de muita crueldade. A brutalidade. Iria meramente com fins diplomáticos. Na minha cabeça, a árvore não cairia de jeito nenhum, mas, enquanto ouvia o que acontecera, já achava até que pudesse ser melhor sacrificá-la para manter a paz, apesar de ter certeza de que um sujeito assim é de briga, independente de ter motivo ou não. Qualquer coisa, chamaria a polícia — para um policial? É assim. Quando chegamos por lá, era uma azáfama. Outras vizinhas se amontoavam no portão, muitas delas desesperadas. O covarde aproveitou quando meu pai saiu, e quis fazer o serviço à traição; mas minha mãe não quis deixar...

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 25/06/2023
Código do texto: T7822196
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